O CONTEXTO DA IMIGRAÇÃO ITALIANA
NO RIO GRANDE DO SUL
A presença de italianos na área
hoje definida pelos limites do estado do Rio Grande do Sul é atestada pelo
menos desde o século XVII, quando diversos missionários jesuítas desta
nacionalidade se dirigiram à região para catequizar os indígenas e organizar as
reduções. Mas foram presenças muitas vezes efêmeras, itinerando por diferentes
regiões americanas, e de qualquer modo não deixaram descendência. Sua presença
continuou extremamente reduzida até o início do século XIX, quando a população
de recém-chegados começa a aumentar, fixando-se principalmente na capital,
Porto Alegre, mas também atingindo diversas outras cidades, como Livramento,
Bagé e Pelotas. Ocupavam-se principalmente do comércio, mas também chegaram
jornalistas, políticos, artistas, professores, industriais e outros
profissionais. Muitos desses fundaram famílias ainda florescentes.
Mas neste período a imigração
italiana era espontânea, os interesses oficiais estavam voltados para outros
lugares. Logo após a transferência da corte portuguesa para o Brasil em 1808, o
governo passou a incentivar a imigração de colonos alemães e suíços. Em 1824 os
alemães se tornaram a população preferencial em um programa organizado de
criação de colônias no Rio Grande do Sul, do qual resultariam grandes cidades como
Santa Cruz do Sul, São Leopoldo e Novo Hamburgo. O projeto era revolucionário.
Numa época em que ainda prevalecia um sistema de latifúndios de monoculturas de
exportação ou de pecuária extensiva, com uma força de trabalho escrava,
pretendia-se criar uma população rural estável de homens livres proprietários
de minifúndios, instalados em terras devolutas, que pudessem melhorar o sempre
precário abastecimento interno de produtos básicos de consumo, e que ajudassem
a "branquear" a população brasileira, na época em sua grande maioria
composta de negros e índios. Além disso, essa população constituiria uma força
militar de reserva para uso em eventuais conflitos de fronteira, na época ainda
mal fixada.
A primeira etapa da colonização
alemã foi considerada um sucesso, e desejou-se repetir a mobilização. Contudo,
o contexto social, político e econômico da nação mudava e frustrava os planos.
Os próprios alemães começaram a ter dificuldades já em 1830, quando as verbas
de financiamento dos colonos foram cortadas e os lotes que lhes destinavam
tiveram tamanho reduzido e já não eram gratuitos. Com a proibição do tráfico
negreiro em 1850, o sistema escravocrata enfrentou uma crise de mão-de-obra, e
diversas tentativas governamentais de criar mecanismos que favorecessem a
contratação de empregados livres alcançaram resultados fracos ou nulos,
principalmente pelas exigências abusivas que os latifundiários incluíam nos
contratos, cujos termos em muitos casos pouco diferiam de um regime de
escravidão. Várias revoltas e protestos de colonos se registraram em virtude de
maus tratos e más condições de trabalho e vida. Essas notícias chegaram à
Europa, causando uma onda de indignação. O resultado foi que os alemães e
suíços já não podiam mais ser convencidos facilmente a imigrar, e até meados do
século aportaram apenas cerca de 30 mil novos imigrantes.
Em 1867, diante dos maus
resultados do programa colonizador, o governo legislou novamente restaurando
algumas das vantagens iniciais e criando outras. Agora o lote rural podia ser quitado
em dez anos, com dois anos de carência; os deslocamentos dentro do país até o
destino final seriam pagos pelo governo; o colono receberia ajuda para a
construção de sua primeira casa e para a abertura das primeiras lavouras, com
sementes, equipamentos básicos e alguns materiais, além de um pouco de dinheiro
vivo. Também estavam previstos atendimento médico e religioso. O desejo do
governo era atrair até 350 mil colonos alemães, suíços e ingleses, mas isso não
aconteceu. No Rio Grande, até 1875 chegaram apenas 19 mil novos colonos.
Coincidiu que nesta altura a
Itália passava por uma grave crise, e uma grande população, muito pobre e
assolada pela fome, pelas epidemias e por uma longa série de guerras, começava
sua fuga para a América. Em sua maioria procediam do campo, onde geralmente
suas famílias nunca haviam sido proprietárias e tinham um longo passado de
servidão, e haviam terminado empilhados nas cidades em condições geralmente
sub-humanas. Mesmo os que eram proprietários em sua maioria haviam empobrecido
pela alta escorchante dos impostos e pela concorrência com os latifúndios
produtores, endividando-se e tendo de vender suas terras. E os que ainda
estavam no campo, tinham suas condições, sempre duras, endurecidas ainda mais.
A depressão não fustigou apenas a Itália, mas muitos outros países europeus.
Segundo Zuleika Alvin, "para alguns países expulsores, como Itália e
Espanha, por exemplo, as descrições dos locais onde os imigrantes moravam e da
promiscuidade em que eram obrigados a viver em razão da miséria são bons
exemplos da repercussão da crise econômica na bucólica paisagem do campo".
A pesquisadora continua: "À medida que se implantava, tal processo foi
liberando um excedente de mão-de-obra que a industrialização tardia de países como
a Itália e Alemanha, por exemplo, não tinha condições de absorver. Isso, aliado
a um crescimento demográfico nunca visto, como o ocorrido no século XIX, quando
a população da Europa aumentou duas vezes e meia, ao avanço da tecnologia, que
permitiu que tarefas antes executadas pelo homem pudessem passar a ser
realizadas por máquinas, e às melhorias sem precedentes dos transportes, pôs à
disposição do mercado uma horda de camponeses sem terra e desocupados".
Em toda a Europa, entre 1830 e
1930 mais de 50 milhões de pessoas deixaram seus lares em busca da miragem
americana. De sua parte, o governo italiano mal esboçou fazer algo para impedir
esse movimento, de fato, não havia um grande interesse por esses párias. Textos
de diplomatas e políticos da época mostram que essa população era vista mais
como um incômodo para a nação, recém-unificada e ainda instável, "não eram
cidadãos para ajudar e defender, mas camponeses impertinentes que com sua
miséria e ignorância ofendem a Pátria", de modo que as medidas protecionistas
foram poucas, hesitantes, tardias e deram em nada. Eles se tornaram então o
alvo dos oficiais brasileiros. O papel das autoridades italianas se resumiu
geralmente no aconselhamento dos emigrantes, atuando com mais vigor em poucos
casos individuais problemáticos, deixando na prática todo o recrutamento,
translado e assentamento para os armadores internacionais e agentes imperiais
brasileiros.
A maior parte dos que foram para
o Brasil ia não só em busca da chance de prosperar, mas principalmente eram
movidos pela ideia de se tornarem proprietários de terras. Circulava na época
todo um folclore sobre o Brasil, país ainda pouco conhecido na Europa. Lendas
sobre criaturas fantásticas e riquezas imensuráveis eram tidas como fatos pela
gente mais simples, que se tornavam assim presa fácil para os agentes de
recrutamento, que alimentavam as antigas histórias sobre a Cocanha e a
localizavam no Brasil, onde haveria fortuna fácil para todos, onde realizariam
o seu sonho de serem livres, ricos, e, enfim, também senhores. A literatura sobre a Cocanha existia desde o
século XIII, descrevendo um lugar, como conta Pozenato, onde "chovem
pérolas e diamantes, mas podem chover também raviólis. Em direção ao porto,
denominado Porto dos Ociosos, navegam embarcações carregadas de especiarias,
mortadelas, toda a sorte de embutidos e presuntos. Rios de vinho grego são
atravessados por pontes de fatias de melão, lagos de molhos soberbos estão
coalhados de polpette e fegatelli. Fornadas permanentes de pão de farinha de
trigo abastecem os habitantes do lugar. Aves assadas despencam do céu, direto
sobre a mesa, enquanto as árvores cobrem-se de frutos nos doze meses do ano. As
vacas parem um vitelo ao mês e os arreios dos cavalos são de ouro, mas as rédeas
são linguiças". Segundo Damke & Gomes,
"Ao analisar a história da
imigração alemã e italiana para o Brasil, não dá para ignorar a ação dos
agenciadores de imigrantes na Europa que, segundo Arendt e Pavani (2006, p.
22), Damke (2013, p. 27) e outros autores, foi intensa e deve ter influenciado
na decisão de muitas pessoas a emigrarem. [...] Os sonhos de como seria a
América estavam presentes de forma intensa no imaginário dos imigrantes. [...]
Os historiadores que tratam da imigração alemã e italiana destacam que os
imigrantes literalmente passavam fome em sua terra natal, por isso o sonho de
ter comida para si e para sua família devia estar presente no seu dia a dia. E
quando o sonho se realizava, a Cocanha do imaginário popular se tornava
realidade".
No entanto, a maior parte dos
italianos nunca chegou a materializar seus desejos, tendo sido direcionados
para as fazendas de café de São Paulo, encontrando condições às vezes muito
difíceis de sobrevivência, e sem disporem, em sua maioria, de terras próprias,
o que reproduzia mais ou menos a mesma situação da qual tinham querido fugir.
Relatos da época testemunham o desalento e desespero dos recém-chegados aos
cafezais, privados da iniciativa própria, imobilizados pelos termos dos
contratos, impossibilitados de reconstruir a paisagem de modo que se
assemelhasse à sua terra de origem, enfiados em casinhas minúsculas de
pau-a-pique emprestadas pelo patrão, e constrangidos a uma submissão que devia
expressar-se agradecida, pela "bondade dos patrões em tirá-los da miséria
e dar-lhes trabalho". Muitos se rebelaram contra tais condições de
exploração e opressão, ou abandonaram o campo buscando as cidades e engrossando
a massa marginalizada.
No Rio Grande foi mantida a ideia
original de criar minifúndios produtivos para homens livres proprietários. Depois
de criar quatro novas colônias alemãs, em 1869 o governo provincial solicitou
ao Império a concessão de mais terras devolutas para outras duas. No ano
seguinte foram destinadas 32 léguas quadradas no nordeste da província, onde
foram fundadas as colônias Conde d'Eu (atualmente a cidade de Garibaldi) e Dona
Isabel (atualmente Bento Gonçalves). Pretendia-se introduzir 40 mil colonos
alemães em dez anos, mas menos de 4 mil candidatos foram arrolados, grande
parte não foram alemães, mas portugueses, e o projeto entrou em recesso.
Comentários
Postar um comentário