LITERATURA INGLESA – PARTE 2

LITERATURA INGLESA – PARTE 2

Após a introdução das prensas móveis na Inglaterra por William Caxton em 1476, uma literatura vernacular, como outras literaturas nacionais, floresceu. A Reforma inspirou a produção de uma liturgia vernacular que levou à criação do Book of Common Prayer, que muito influenciou a linguagem da literatura inglesa da época. A poesia, a prosa e a dramaturgia produzidas no período da rainha Isabel I e o rei Jaime I é o que hoje chamamos de literatura moderna ou renascentista inglesa.

A era elisabetana viu um grande florescimento da literatura, especialmente no teatro. A Renascença Italiana tinha redescoberto o teatro grego e romano da Antiguidade, e isso foi fundamental no desenvolvimento do novo teatro, que estava então começando a se distanciar das velhas peças de mistério e milagres da Idade Média. Os italianos foram particularmente inspirados por Sêneca - filósofo, tutor de Nero e grande autor de tragédias - e por Plauto, cujos clichês cômicos, especialmente daqueles soldados garbosos, tiveram uma poderosa influência no Renascimento e depois. Contudo, as tragédias italianas adotaram um princípio contrário à ética de Sêneca: mostravam sangue e violência no palco. Nas peças de Sêneca, tais cenas somente eram representadas em cartazes. Mas os dramaturgos ingleses estavam fascinados pelo modelo italiano: havia uma significativa comunidade de atores italianos morando Londres, e Giovanni Florio havia trazido muito da cultura da Itália, particularmente da linguagem italiana, para a Inglaterra. É também verdade que a era elisabetana foi uma época muito violenta e que a alta incidência de assassinatos políticos na Renascença italiana (referida por Nicolau Maquiavel em O Príncipe) não permitia acalmar temores de conspirações. Como um resultado disto, representações que continham este tipo de violência, nessa época, eram provavelmente mais catalíticas para o espectador elisabetano. Acompanhando as primeiras peças elisabetanas, tais como Gorboduc, de Thomas Sackville e Thomas Norton, e The Spanish Tragedy de Thomas Kyd, a qual forneceu muito material para Hamlet, William Shakespeare destaca-se neste período como poeta e dramaturgo. Shakespeare não era um homem de letras por profissão e provavelmente tinha somente alguma educação gramatical escolar. Não era nem advogado, nem aristocrata como os “talentos universais” que monopolizavam o palco inglês quando ele começou a escrever. Mas era muito talentoso e incrivelmente versátil, e ultrapassou profissionais como Greene, que ridicularizava este "shake-scene" de origens humildes. Embora a maioria das suas peças tivesse tido grande sucesso, foi em seus últimos anos (marcados pelo início do reinado de James I) que ele escreveu aquelas que viriam a ser consideradas suas principais obras: Hamlet, King Lear, Macbeth, All's Well That Ends Well, Antony and Cleopatra. Para listar os trabalhos que pertencem ao período tardio, devemos adicionar A Tempestade, uma tragicomédia que inscreve, dentro do drama principal, uma brilhante demonstração para o novo rei. Esta 'peça dentro de uma peça' toma forma de uma masque, um interlúdio com música e dança, colorido por efeitos especiais em novos teatros internos. Críticos mostraram que a peça principal foi escrita para a corte de James, se não o foi para o próprio monarca. A arte mágica de Próspero, da qual depende o desfecho do enredo, sugere a bela relação entre arte e natureza na poesia. De forma significativa, naqueles anos, os primeiros colonos chegam à America), e A Tempestade é (embora não pareça) ambientada nas Ilhas Bermudas, conforme as pesquisas em Bemuda Pamphlets (1609) têm mostrado, ligando Shakespeare à Virginia Company.

Os sonetos foram introduzidos na Inglaterra por Thomas Wyatt no início do século XVI. Os poemas pretendiam ser transformados em músicas, tais como os de Thomas Campion, que se tornaram populares quando a literatura impressa foi disseminada mais abertamente nas casas (veja a escola inglesa de madrigal). Outras figuras importantes no teatro elisabetano incluem Christopher Marlowe, Thomas Dekker, John Fletcher e Francis Beaumont. Se Marlowe (1564-1593) não tivesse sido esfaqueado numa taverna aos vinte e nove anos ele poderia, segundo Anthony Burgess, ter rivalizado, se não igualado o próprio Shakespeare em seus dons poéticos. Observe-se que Marlowe nasceu apenas dois meses antes de Shakespeare e provavelmente houve interação entre eles, resultando em uma influência mútua, embora ambos diferi No entanto, diferiam consideravelmente quanto aos temas abordados.

A produção de Marlowe se concentra principalmente no drama de conteúdo moral - uma forma herdada do teatro didático religioso do Medievo. Inspirado na tradição germânica, introduziu no teatro inglês o personagem Doutor Fausto . A história de Fausto encontra suas raízes em uma lenda popular publicada no século XVI como Faustbuch ('Livro de Fausto'), obra anônima de caráter moralista, a cuja tradução inglesa Marlowe pode ter tido acesso.Fausto é um cientista e mago, que, obcecado pelo conhecimento e pelo desejo de expandir os limites e o poder da ciência, vende sua alma ao diabo. O Fausto de Marlowe é um humanista estudioso e contestador dos velhos valores, que persegue o conhecimento total. Ele adquire poderes sobrenaturais que lhe permitem até voltar no tempo e casar-se com Helena de Troia mas, ao fim do seu pacto de 24 anos com o diabo , é obrigado a entregar-lhe a sua alma. Em Fausto, Marlowe faz uso da estrutura dramática das moralidades medievais, que se constituem basicamente de uma história de tentação, queda e danação, usando livremente figuras da cultura popular cristã, como o anjo bom e o anjo mau, os sete pecados capitais e os demônios Lúcifer e Mefistófeles.[5]Os heróis sombrios podem ter um pouco do próprio Marlowe, cuja data de morte ainda é um mistério. Ele era conhecido por ser ateu, levar uma vida desregrada, ter várias mulheres, manter ligações com rufiões e frequentar, enfim, os "círculos superiores" do submundo de Londres. Mas muitos suspeitam que isso possa ter sido um disfarce para suas atividades de agente secreto de Isabel I e sugerem que o "esfaqueamento acidental" de que Marlowe foi vítima possa ter sido um assassinato premeditado, a mando dos inimigos da Coroa.

Na época, Beaumont e Fletcher também eram bastante famosos e é quase certo que tenham ajudado Shakespeare a escrever seus melhores dramas. Nessa mesma época, o gênero de comédia urbana se desenvolve. No fim do século XVI, a poesia inglesa era caracterizada pela linguagem elaborada e pelas constantes alusões aos mitos clássicos. Dentre os mais importantes poetas dessa época incluem-se Edmund Spenser e Sir Philip Sidney.

Depois da morte de Shakespeare, o poeta e dramaturgo Ben Jonson foi a figura condutora da literatura da era jacobina (1567–1625). Contudo, a estética de Jonson apresentava características de um retorno a Idade Média, incorporando, por exemplo, a teoria dos humores, segundo a qual o universo é feito de quatro elementos (terra, água, ar e fogo), e comportamentos diferentes resultam da prevalência de um elemento sobre os outros três (este era o princípio guia para os médicos também). Isto levou Jonson a exemplificar tais diferenças na criação de tipos ou clichês, enquanto Shakespeare já tinha abandonado tal teoria, em favor de uma abordagem psicológica, que caracteriza o teatro moderno. De todo modo, Jonson foi um mestre em seu estilo e um notável autor satírico.

Outros que seguiram o estilo de Jonson incluem Francis Beaumont e John Fletcher, que, embora não fossem tão talentosos quanto Shakespeare, escreveram comédias quase tão brilhantes, a exemplo de The Knight of the Burning Pestle, uma sátira à classe média ascendente e especialmente aos novos ricos, que fingiam declamar uma literatura de bom gosto sem conhecer nada a respeito. Na história, um casal de donos de mercearia discutem com atores profissionais para que seu filho iletrado interprete o papel principal em uma peça. Ele se torna o cavaleiro errante que, apropriadamente, revela uma queimadura de pilão em seu escudo. Buscando ganhar o coração de uma princesa, o jovem homem é ridicularizado tanto quanto Dom Quixote será ridicularizado em um futuro romance. Um dos méritos principais de Beaumont e Fletcher foi o de perceber como o feudalismo e os cavaleiros haviam se transformado em vaidade e fingimento, e que novas classes sociais estavam em ascensão.

Outro estilo popular durante era jacobina era peça de vingança, popularizada por John Webster e Thomas Kyd. George Chapman escreveu um par de sutis tragédias de vingança, mas devem ser lembrados principalmente em consideração de sua famosa tradução de Homer, a qual teria uma profunda influência em toda futura literatura inglesa, inspirando até John Keats a escrever algumas de suas grandes poesias.

A Bíblia do rei Jaime, um dos projetos mais massivos de tradução da Inglaterra até este tempo, foi iniciado em 1604 e completado em 1611. Ela representa o ponto culminante da tradição de tradução bíblica na Inglaterra e que começou com o trabalho de William Tyndale. Ela se tornou a Bíblia padrão da Igreja da Inglaterra e um dos grandes trabalhos literários de todos os tempos. Esse projeto foi encabeçado pelo rei Jaime I em pessoa, que supervisionou o trabalho de quarenta e seis sábios. Embora uma tradução mais fiel tenha sido feita em 1970, e muitas outras depois dessa, nenhuma tem a mesma qualidade poética da Bíblia do Rei Jaime, na qual a métrica é conduzida de modo a imitar a dos versos hebreus originais.

Ao lado de Shakespeare, que aparece no início dos anos 1600, os principais poetas do início do século XVII incluem John Donne e outros poetas metafísicos. Influenciada pelo Barroco continental e retirando seu conteúdo subjetivo do misticismo cristão e do erotismo, a poesia metafísica utilizou figuras pouco convencionais ou anti-poéticas, tais como um compasso ou um mosquito, para obter o efeito surpresa. Por exemplo, em um dos sonetos de Donne, a ponta de um compasso representa dois amantes; a mulher, que está em casa esperando, é o centro; o ponto mais distante é seu amante, que está navegando, longe dela. Mas quanto maior a distância, maior é união superior entre as pontas do compasso: a distância torna o amor mais forte. O paradoxo ou a contradição é uma constante nessa poesia, em que os medos e as ansiedades também falam de um mundo de certezas espirituais que é abalado pelas modernas descobertas da ciência. O homem não é mais o centro do universo.

Os anos turbulentos de meados do século XVII, durante o reinado de Carlos I (deposto e executado em 1649), bem como no período que se seguiu, com a instituição da Commonwealth (governo republicano do período 1649 -1660) e do Protetorado), assistiram ao nascimento da literatura política na Inglaterra. Os panfletos escritos pelos simpatizantes de cada uma das facções que se organizaram durante a Guerra Civil Inglesa iam desde os mais violentos ataques pessoais até as mais variadas formas de propaganda, passando pelas mais diversas propostas e esquemas para reformar a nação.

 

Leviathan, a célebre obra de Thomas Hobbes é um dos trabalhos mais importantes da filosofia política britânica. Nesse período também ocorre o surgimento dos primeiros jornais britânicos, com jornalistas como Henry Muddiman, Marchamont Needham, John Birkenhead, que representavam os pontos de vista das diversas partes em conflito. As constantes prisões dos autores e a eliminação de seus trabalhos tiveram como consequência a impressão secreta ou feita no estrangeiro, o que levou à criação da ideia de "licença". A Areopagitica, um panfleto político de John Milton, foi escrita em oposição à licença e é considerada como uma das mais eloquentes defesas da liberdade de imprensa já escrita.

Outras formas de literatura escritas durante este período são usualmente relacionadas textos políticos ou seus autores estão agrupados ao longo de tendências políticas. A poesia cavalheiresca, atividade principal antes da guerra civil, relacionou-se muito como a nova escola dos poetas metafísicos. O afastamento forçado de oficiais reais após a execução de Carlos I foi uma boa coisa no caso de Izaak Walton, pois isto deu a ele tempo para trabalhar em seu livro The Compleat Angler. Publicado em 1653, o livro era, aparentemente, um guia para pesca mas, de fato, era muito mais uma reflexão sobre a vida, o prazer e o contentamento. Os dois poetas mais importantes da Inglaterra de Oliver Cromwell foram Andrew Marvell e John Milton, com suas produções direcionadas para glorificar o novo governo, tal como An Horatian Ode upon Cromwell's Return from Ireland, de Marvell. A despeito de suas crenças republicanas, eles escaparam de punições no momento da Restauração de Carlos II, após a qual Milton escreveu alguns de seus maiores poemas, contendo algumas mensagens políticas escondidas sob a roupagem de alegorias. Thomas Browne foi outro escritor do período: um homem estudado, com uma extensa biblioteca, ele escreveu proliferamente sobre ciência, religião, medicina e esoterismo.

 

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