A CIÊNCIA NA IDADE MEDIA
Quando se fala em ciência, há uma
tendência a se pensar que ela tenha se originado apenas nos primeiros séculos
da Idade Moderna, isto é, nos séculos XVI e XVII, e que tudo o que fora
produzido nas épocas anteriores não possui relevância alguma. Entretanto, essa
concepção é absolutamente equivocada. Tanto nas civilizações do mundo antigo
quanto na Idade Média houve grandes preocupações de ordem científica e um
grande desenvolvimento do conhecimento dos fenômenos naturais. Especificamente,
o interesse por ciência na Idade Média era intenso, porém bem diferente do que
foi feito a partir do século XVI.
Até por volta do século XV, a
visão que se tinha da natureza era, em grande medida, influenciada pela filosofia
natural aristotélica, isto é, pela física e a metafísica de Aristóteles. Desse
modo, o mundo era encarado como um cosmos, dotado de uma ordenação harmônica
repleta de correspondências entre os fenômenos celestes e os terrestres. Grosso
modo, havia uma visão da natureza em conjunto. Tal perspectiva, que permeou a
Antiguidade e a Idade Média, foi exaustivamente estudada por autores como
Stanley Jaki e Alexandre Koyré.
No caso particular da ciência que
se desenvolveu no mundo medieval, há de se acentuar a óbvia influência que o
cristianismo exerceu sobre ela. A concepção aristotélica de cosmos, por
exemplo, não foi plenamente absorvida pelos doutores medievais, haja vista que,
para o filósofo grego, o mundo era eterno em si mesmo, mas, para o cristianismo,
o mundo foi criado por Deus, do nada, ex nihilo, sendo assim temporal, e não
eterno.
Essa compreensão cristã da ordem
do mundo foi decisiva para as bases do conhecimento científico que se
desenvolveu na modernidade. Um caso de “precursor” das teses sobre o movimento
e a inércia dos corpos físicos foi Jean Buridan (1295-1358), um sacerdote e
professor da Sorbonne no século XIV. Buridan era herdeiro direto da filosofia
escolástica e, como destacou o historiador Thomas Woods Jr.: “O que Buridan
procurou descobrir foi de que modo os corpos celestes, uma vez criados, puderam
começar a mover-se e permanecer em movimento na ausência de uma força que os
continuasse a propelir.” (WOODS Jr.. p. 79) [1]. Se os corpos não participavam
de um motor imóvel que os movia eternamente, como teorizava Aristóteles, com
permaneciam em movimento após sua criação por Deus?
A resposta à qual Buridan chegou
foi: “Deus, após ter criado os corpos celestes, lhes havia conferido o
movimento, e que esse movimento nunca se havia dissipado porque os corpos
celestes, movendo-se no espaço exterior, não encontravam atrito e, que,
portanto, não sofriam nenhuma força contrária que pudesse diminuir a sua
velocidade ou interromper o seu movimento.” (WOODS JR. p.79) [2]. Como bem
acrescentou o historiador Thomas Woods Jr., na investigação e elaboração
teórica de Buridan estavam contidas em germe as ideias de movimento físico e de
inércia, que foram comprovadas pelos experimentos de cientistas como Galileu
Galilei.
Aliás, uma das grandes diferenças
entre a ciência medieval e a ciência moderna foi o desenvolvimento da técnica
por essa última, isto é, a criação de dispositivos, como o telescópio e o
microscópio, com a finalidade de melhor realizar a observação e a descrição dos
fenômenos. Na ciência moderna, também havia uma visão diferente do mundo, que
não era mais um cosmos ordenado e fechado, mas um universo infinito de
dimensões quantificáveis e matematizáveis.
Além disso, no mundo medieval, a observação estava associada à imaginação e à poesia. O que se observava era uma “floresta de símbolos” que se correspondiam. A historiadora Reginé Pernoud destacou em sua obra “Luz sobre a Idade Média” que: “para os nossos antepassados, a história natural propriamente dita apenas apresentava um interesse muito secundário: toda a manifestação de uma verdade espiritual, ao contrário, cativa-os no mais alto grau; de tal modo que a sua visão do mundo exterior não passa, as mais das vezes, de um simples suporte para estear lições morais: assim acontece com esses bestiários em que, ao descrever animais – tanto os mais familiares como os mais fantásticos –, os autores veem nos seus hábitos, reais ou supostos, a imagem de uma realidade superior.” (PERNOUD, p.156.) [3].
Desse modo, deve-se procurar compreender com maior argúcia cada época da história e o que se pensou, conheceu e se desenvolveu em cada uma delas. Projetar as impressões que são de nosso tempo sobre tempos passados é um dos maiores erros de quem quer compreender bem a história.
https://mundoeducacao.uol.com.br/historiageral/ciencia-na-idade-media.htm
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