AS COLÔNIAS ALEMÃS NO RIO GRANDE
DO SUL
Na primeira etapa, antes da
generalização do uso dos navios a vapor, a viagem dos imigrantes podia levar
até três meses, mas depois em geral era completada em um mês e meio. Os navios
vinham superlotados, as acomodações eram precárias e a higiene era péssima.
Depois de chegarem ao Brasil, eram distribuídos pelas múltiplas áreas de
colonização espalhadas pelo país. Os direcionados para o Rio Grande seguiam em
barcos menores até o porto de Porto Alegre, de onde eram remetidos às regiões
coloniais. São Leopoldo foi o principal ponto de acolhimento dos
recém-chegados. Já que os campos provinciais estavam ocupados pela pecuária, os
imigrantes foram instalados em região de mata virgem. Ali a tarefa que os
esperava era monumental, pois estava tudo por fazer. A maioria dos imigrantes
havia sido pelo menos em parte influenciada por uma propaganda enganosa do
governo, que anunciava o Brasil como um país das maravilhas onde todos poderiam
ficar ricos rapidamente. Como conta Thomas Davatz:
"Lindas descrições, relatos atraentes dos países que a imaginação
entreviu; quadros pintados de modo parcial e inexato, em que a realidade é por
vezes deliberadamente falseada, cartas ou informes sedutores e fascinantes de
amigos, de parentes; a eficácia de tantos prospectos de propaganda e também,
sobretudo, a atividade infatigável dos agentes de emigração, mais empenhados em
rechear os próprios bolsos do que em suavizar a existência do pobre... – tudo
isso e mais alguma coisa contribuiu para que a questão da emigração atingisse
um grau verdadeiramente doentio, tornando-se uma legítima febre de emigração
que já contaminou muita gente. E assim como na febre física dissipa-se a
reflexão tranqüila, o juízo claro, coisa parecida ocorre nas febres de
emigração. Aquele a quem ela contagiou, sonha com o país idealizado durante o
sono e durante a vigília, no trabalho e no descanso; agarra-se a prospectos e
folhetos que tratam do seu tema favorito, dando-lhes o maior crédito".
Os engodos eram patenteados assim
que os viajantes chegavam. Como não era permitido o trabalho escravo nas
colônias, todas as tarefas estavam a cargo da família. Havia a possibilidade de
contratar ajudantes, mas devido à pobreza da maioria dos imigrantes no início
isso foi impossível. As dificuldades aumentavam porque a ajuda do governo foi
irregular, não foi raro faltar dinheiro, ferramentas e alimentos, e porque eles
vinham completamente despreparados para o que iriam encontrar. Viviam em
habitações rústicas, não conheciam as particularidades da terra e suas
exigências, não conheciam os animais perigosos e as plantas venenosas, não
sabiam como lidar com as doenças humanas e as pragas agrícolas comuns no país,
temiam ataques de índios e onças, e ao contrário do hábito de aldeamento a que
estavam acostumados na Europa, no Rio Grande as famílias ficavam isoladas em
cada lote particular, comunicando-se por picadas precárias que em tempo de
chuva viravam lodaçais. Em 1850 Martin Buff, diretor da colônia de Santa Cruz
do Sul, escrevia em seu relatório: "Para a gente que vem da Europa é muito
penoso acostumarem-se no mato nos primeiros tempos, por isso vivem sempre
incomodados e doentes". São numerosos os relatos de colonos
recém-instalados sobre o medo que sentiam frente ao mundo desconhecido. Além do
mais, eles não dominavam o português e a cultura brasileira era-lhes totalmente
estranha. Não por acaso a integração das comunidades alemãs com o universo
luso-brasileiro foi complexa, demorada e muitas vezes tumultuada.
Apesar de todos esses obstáculos,
os vales povoados tinham uma terra fértil, que permitia mais de uma safra por
ano para algumas culturas, fazendo com que em pouco tempo as colheitas fossem
expressivas e os excedentes pudessem ser comercializados, gerando renda.
Técnicas de derrubada da mata, preparo do solo, manejo das culturas e das
criações, mais adequadas ao ambiente local, aos poucos foram aprendidas com
caboclos e brasileiros e ajudaram a superar a gradual perda de fertilidade do
solo depois do desmatamento e controlar problemas imprevistos. Assim, dentro de
alguns anos o colono em geral já podia construir uma casa maior e adquirir
alguns confortos. As técnicas agrárias consolidadas pelos colonos em poucas
gerações se tornaram a base da cultura agrícola do estado nesta região por
muito tempo. Como disse Marli Mertz:
"O sistema agrário colonial constituiu-se, acima de tudo, por um
conjunto de práticas e técnicas agrícolas que se fizeram presentes ao longo da
história da agricultura no Rio Grande do Sul e desenharam o seu perfil de tal
forma que essas práticas e técnicas ainda podem ser encontradas em regiões do
estado onde predominam a pequena propriedade e os minifúndios coexistindo com
sistemas agrícolas mais avançados. Nesse sentido, o sistema produtivo colonial
utilizado pelos colonos continuou sendo praticado no Estado após o fim da sua
zona de expansão. Mesmo não existindo mais terras devolutas, continuaram
praticando sua agricultura com a queimada e com a rotação das terras durante as
décadas de 50 e 60 do século XX, práticas que contribuíram para a crise
agrícola que se fez sentir a partir de então".
A experiência da posse da terra
era valiosa para o colono, tanto do ponto de vista econômico, humano e social —
sendo a possibilidade de redenção de sua antiga pobreza não só como garantia da
sobrevivência básica, mas como garantia de uma vida digna, respeitável e boa de
viver — como do ponto de vista moral e psicológico. Josef Umann, um dos
pioneiros da Linha Cecília, relatou em seu livro de memórias: "Acredito que
nenhum rei em seu palácio possa se sentir mais feliz que eu outrora, em minha
primeira choupana, a qual sabia ser minha, e mesmo que deixasse a desejar em
todo o sentido, tínhamos a esperança que com o correr do tempo ela poderia ser
melhorada, e sobretudo, sabíamos que ninguém podia nos obrigar a abandonar a
nossa morada".
Além de ser uma necessidade
humana, o convívio em comunidade oferecia vantagens práticas para os colonos.
Não podendo contratar empregados nem usar escravos, graças à cooperação entre
as famílias é que muitas das dificuldades iniciais puderam ser vencidas. O
mutirão foi uma prática sistemática entre os colonos, e os casamentos
realizados dentro das comunidades fortaleciam os laços de confiança e
cooperação entre as famílias. Nas colônias rurais cedo formaram-se pequenos
núcleos urbanizados, onde os colonos dispersos pelos lotes se encontravam e
realizavam suas feiras para trocas de produtos e experiências, suas
festividades coletivas e suas competições esportivas. Ali era o lugar por
excelência para descontrair, interagir com os amigos e descansar das durezas do
trabalho na terra de sol a sol, ali se faziam os concorridos Kerbs, embora no
cotidiano dos domicílios houvesse o cultivo de uma série de atividades tanto
lúdicas como afetivas e agregadoras, como o canto, a transmissão de lendas,
crenças e histórias para as crianças, o artesanato e os jogos juvenis. Os
alemães ganharam fama no estado como um povo que cultivava a educação e a arte,
e muitas dessas atividades familiares tinham um caráter artístico, como o canto
e o artesanato. Nesses povoados iam aparecendo as capelas, as escolas, os
cemitérios, os salões de festas, oficinas de ferraria, tanoaria, marcenaria,
funilaria, e também as olarias, moinhos, curtumes, alambiques, cervejarias,
alfaiatarias, sapatarias e outras casas comerciais. Esses núcleos funcionavam
como intermediários e elos de ligação entre as colônias e as cidades maiores.
À medida que a comunidade
estabilizava e se relacionava com o povo brasileiro do entorno, a própria
natureza e as formas de convívio locais, vistas pelos olhos do estrangeiro,
começavam a ser integradas a um novo folclore, híbrido de tradições alemãs e
nativas. Porém, para a mentalidade da época, da qual os alemães não fugiam, a
natureza podia ser fascinante e generosa, mas era também um elemento bárbaro e
potencialmente perigoso que precisava ser dominado e disciplinado, para que
pudesse servir aos propósitos do homem. Essa relação de conquistador sobre o
ambiente, mais o árduo trabalho de desbravamento e o cultivo da terra, foram
elementos importantes para a articulação de um mito fundador amparado em um
discurso ufanista em torno das alegadas virtudes superiores do colono alemão
como um herói civilizador, um discurso que começou a ser expresso já em meados do
século XIX com o apoio da própria oficialidade nativa. O Barão de Homem de
Mello, presidente da província em 1868, ao avaliar o impacto da colonização,
disse: “Há pouco tempo existia aqui apenas um vazio, povoado somente por
animais. Hoje este chão se transformou e foi entregue para sempre ao homem
civilizado devido ao esforço de um povo cheio de energia e religiosidade”. Essa
retórica laudatória se tornaria influente no processo de afirmação social e
identitária da comunidade alemã, não apenas no campo, e deixaria uma funda
marca na historiografia clássica da imigração.
Depois de um período de ampla
expansão por grande parte do estado, em meados do século XX o antigo modelo da
pequena propriedade rural se encontrava em um caminho aparentemente sem saída.
As décadas anteriores já haviam sido turbulentas o bastante com a repressão
varguista dos estrangeirismos e com a entrada do Brasil na II Guerra Mundial
contra a Alemanha,[26] mas agora, diante da modernização, da urbanização
acelerada, da mecanização da lavoura e da industrialização, todo um sistema
produtivo que estava em vigor desde o século XIX entrava em crise. Na análise
de Argemiro Brum, "a propriedade pequena e a família numerosa obrigavam a
uma intensa exploração do solo, que provocou rápido esgotamento da sua
fertilidade natural, chegando em muitos casos à quase exaustão. Estes fatores,
acrescidos da contínua transferência de renda dos agricultores para os
comerciantes e industriais, através da diferença no preço dos produtos — preços
baixos para os produtos agrícolas que o colono vendia e preços mais elevados
pelos bens que a família rural adquiria no comércio — explicam a generalizada
estagnação e mesmo declínio da agricultura tradicional. Essa situação se tornou
bastante clara na década de 50 e se agravou muito na de 60, levando a
agricultura tradicional ao estrangulamento".
Além disso, a multiplicação das
colônias sobre um grande território, levando com elas a agricultura intensiva,
ocasionou um sério desequilíbrio ecológico no estado, que perdeu grande parte
das suas florestas e da sua biodiversidade. A mecanização da lavoura e o uso
intensivo de agrotóxicos nas décadas recentes aumentaram os problemas
ambientais e geram disputas políticas, pobreza, problemas de abastecimento e
doenças humanas. Segundo Silva Neto & Oliveira, "mais recentemente, em
especial durante as décadas de 1970 e 1990, em razão da ideia que se tinha da
agricultura familiar como incapaz de produzir competitivamente, passou-se a dar
prioridade à agricultura patronal em detrimento dos agricultores familiares.
Felizmente vêm surgindo movimentos importantes, tanto entre os intelectuais
quanto entre os responsáveis governamentais em âmbito federal e estadual,
pressionando para se mudar essa compreensão".
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