REGRA DE SÃO BENTO
No século V d.C., o cristianismo
estava em processo de organização institucional em meio ao esfacelamento do
Império Romano do Ocidente. As levas de invasões bárbaras haviam deitado por
terra todo o arcabouço de normas e disciplinas sociais erigido pela pólis
(cidade-estado) romana. Nesse contexto, a única instituição capaz de elaborar
dispositivos ordenadores, fossem legais ou morais, era a Igreja Católica. O
monge Bento de Núrsia (480 a 547 d.C), italiano e criador da ordem dos
beneditinos, desempenhou um papel decisivo nesse processo ao formular a
denominada Regra de São Bento.
As ordens monásticas possuíam um papel civilizatório e moralizador. São Bento tinha consciência desse papel e empenhou-se, em sua Regra, na formulação de tarefas tanto de ordem espiritual quanto de ordem laboral (ou seja, relativa ao trabalho dentro da Abadia de Monte Cassino, na Itália, a oeste da cidade de Nápoles, onde se radicou como monge).
Os tópicos da Regra de São Bento versavam desde a importância do silêncio, da oração, da humildade, do papel do abade, das vigílias, até fatores corriqueiros como de que modo deveriam ser guardadas e usadas as ferramentas dentro do mosteiro, o celeiro, a cozinha etc. Os tópicos da Regra abarcavam toda a vida cotidiana dos monges, estabelecendo hábitos que, aos poucos, instituíram uma estrutura disciplinadora. A Regra foi tão eficaz que, a partir do século IX, tornou-se obrigatória em todos os mosteiros do Império Carolíngio, na época de Luís I, o Pio (filho de Carlos Magno).
Na opinião de alguns estudiosos, a Regra de São Bento elevou o monastério à condição de modelo para a organização social e política da Cristandade, um modelo de pólis, tal como o modelo de cidade ideal elaborado por Platão. Essa opinião é defendida, entre outros, pelo filósofo austríaco Eric Voegelin, que, em sua obra História das Ideias Políticas (vol. II), assim se expressou:
A regra transferia o ideal helênico da pólis como comunidade autossuficiente para uma comunidade cristã. O mosteiro deveria ficar isolado, cercado por terras e muros; deveria ter extensão suficiente para satisfazer as necessidades materiais e espirituais do grupo, mediante a divisão e a cooperação. A vida cotidiana era equilibrada entre o trabalho, o serviço religioso e o estudo.
Essas características tornavam o mosteiro na pólis cristã ideal, segundo Voegelin, tal como a cidade antiga, às margens do Mediterrâneo, era, na Antiguidade, a pólis helênica ideal. Nos campos e nos altos dos montes, como no Monte Cassino, as Abadias, povoadas pelos monges, deram ao mundo medieval europeu seu modelo de nova civilização. Outrora, pagã; agora, cristã, como completa Voegelin:
[...] A pólis espiritual de São Bento, como parte do Império Cristão, é o símbolo da transição da antiga civilização mediterrânica para a civilização ocidental: da pólis para o império territorial (e, mais tarde, o estado territorial); da civilização urbana para a civilização agrícola feudal; do mito pagão para o espírito de Cristo.
https://mundoeducacao.uol.com.br/historiageral/regra-sao-bento.htm
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