GOVERNO JOÃO GOULART (1961 -
1964)
A gigantesca divisão de opiniões
acerca do vice presidente e de sua ausência do país criou um complexo ambiente
político. Alguns setores da sociedade, centralizados em torno dos ministros
militares, não aceitavam João Goulart na Presidência por associá-lo a grupos de
esquerda. Porém, o projeto para impedir sua posse foi interrompido pelos
defensores da campanha legalista, ou seja, manteve-se a ordem democrática.
Entre os participantes desse
grupo, figuravam o governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, cunhado do
vice-presidente, e o já destacado general Lott, que chegou a ser detido nos
primeiros dias após a renúncia de Jânio pelas forças contrárias à ordem. A
campanha legalista só foi vitoriosa graças ao apoio do general Machado Lopes,
comandante do III Exército – sediado no Rio Grande do Sul – que detinha o
controle de um considerável contingente das Forças Armadas, e à mobilização de
diversos setores sociais pelo respeito às determinações constitucionais.
A alternativa para o entrave
político foi a criação de um Estado de compromisso. O Congresso aprovou, em 2
de setembro de 1961, uma emenda constitucional que instituiu o parlamentarismo
no Brasil, visto que a limitação do poder do novo presidente através de um
primeiro-ministro iria agradar aos grupos conservadores ou, ao menos, conter os
anseios dos setores golpistas que não estavam dispostos a ter um presidente
nacionalista e trabalhista no comando da nação.
O novo sistema vigorou entre
setembro de 1961 e janeiro de 1963, sendo rechaçado pela sociedade em um
plebiscito que garantiu o retorno do presidencialismo, com 74% dos votos. João
Goulart passou, então, a ter os poderes institucionais do Executivo. Tal
situação reacendeu a crise de 1961, e formou-se um cenário de polarização
política no Brasil. Além do apoio partidário do PTB, o presidente mantinha proximidade
com as Ligas Camponesas.
O governo já havia demonstrado
preocupação com a questão camponesa, com a aprovação do Estatuto do Trabalhador
Rural, que garantia os direitos do trabalhador no campo. Da mesma forma,
Goulart causava desconforto aos setores conservadores brasileiros devido à
intensificação de uma política externa independente, que teve como episódio de
maior relevância o reatamento de relações diplomáticas com a União Soviética.
Paralelamente, a União Nacional dos Estudantes (UNE), fundada em 1937,
realizava, com centrais sindicais, manifestações favoráveis às ações do governo
e à garantia da ordem democrática.
Entretanto, várias associações se
colocavam radicalmente contra o presidente. Além da oposição explícita da UDN,
partido disposto a aderir a qualquer solução golpista, como havia demonstrado
nos governos Vargas e JK, e de uma parcela do PSD, havia as articulações
golpistas e conspiratórias da Escola Superior de Guerra (ESG), chefiada pelo
general Castelo Branco.
Grupos patronais e instituições
organizavam-se contra João Goulart. Entre estas, pode-se destacar o Instituto
de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES), a Campanha da Mulher pela Democracia
(CAMDE), o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) e o Tradição Família
e Propriedade (TFP). O cerco era completado pela simpatia norte-americana por
uma possível solução golpista que pudesse colocar fim aos supostos movimentos
socialistas existentes no governo.
O presidente João Goulart,
pressionado pelos grupos citados, optou por uma gradativa guinada populista que
garantisse o apoio de parcela da sociedade. O projeto das reformas de base, que
abrangia as reformas agrária, tributária, financeira e administrativa, foi seu
novo instrumento político a partir de junho de 1963. A nova proposta seria um
complemento ao Plano Trienal – conduzido por Celso Furtado, ministro do
Planejamento – que visava a reduzir a in ação, herança do Governo JK.
Na busca da adesão popular para
as reformas de base, em um cenário caracterizado pelo forte antagonismo de
posições acerca do governo de Jango, o presidente convocou um comício na
Central do Brasil para o dia 13 de março, sendo recebido por mais de 150 mil
pessoas. Em uma clara reação, grupos católicos tradicionais convocaram a Marcha
da Família com Deus pela Liberdade, que reuniu centenas de milhares de pessoas
em várias capitais do país, tendo a presença maciça da classe média. Estava
comprovado que o Golpe Militar teria sustentação na sociedade, pelo grande
apoio à Marcha, permitindo que historiadores utilizem o termo Golpe
Civil-Militar.
O argumento para o golpe partiu
de uma desobediência à disciplina militar dos marinheiros no Rio de Janeiro,
entre 26 e 28 de março de 1964. Justificando a necessidade de se garantir a
ordem institucional e a disciplina, o Golpe Militar teve início na cidade de
Juiz de Fora, no dia 31 de março de 1964, sob o comando do general Olímpio de
Mourão Filho, contando com o apoio dos governadores Magalhães Pinto, de Minas
Gerais, Carlos Lacerda, do Rio de Janeiro, e Ademar de Barros, de São Paulo.
Isolado e indisposto a convocar
as massas para a luta armada, o presidente João Goulart exilou-se no Uruguai, e
o poder foi entregue provisoriamente a Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara.
O modelo populista brasileiro chegava ao m, com um golpe que garantiria aos
militares o controle do país por mais de duas décadas.
AS REFORMAS DE BASE
As Reformas de Base eram um
conjunto de medidas que objetivavam reestruturar as instituições políticas,
jurídicas e econômicas do país. Pretendia-se, por meio dessas reformas, atenuar
o quadro de desigualdade social do país, contudo, sem ultrapassar os marcos do
liberalismo político e econômico. Entre as principais Reformas de Base estavam:
a agrária, a administrativa, a constitucional, a eleitoral, a bancária, a
tributária (ou fiscal) e a universitária (ou educacional).
Reforma Agrária: distribuição mais equitativa das propriedades rurais, desapropriando terras improdutivas; prioridade da produção agrícola que visasse o mercado interno;
Reforma Administrativa: a
reestruturação da administração pública federal, para tal foram editadas leis
para reorganização de materiais e do sistema de méritos, além da Lei Orgânica
do Sistema Administrativo Federal;
Reforma Eleitoral: garantir o
direito do voto aos militares de baixas patentes e aos analfabetos;
Reforma Bancária: controle da
inflação por meio de um órgão central;
Reforma Tributária: modernização
da arrecadação tributária para evitar fraudes fiscais;
Reforma Universitária: abolição
da vitaliciedade de cátedra e a liberdade no exercício da docência;
Reforma Constitucional: a reforma
constitucional era necessária para a viabilização das principais reformas como
a agrária, a eleitoral e a universitária. (Cf. MENANDRO)
As Reformas de Base foram criadas
durante o mandato presidencial de Juscelino Kubitschek (1956-1961) pelo partido
do então vice-presidente da República, João Goulart. O Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB) era, à época, presidido por Goulart e as Reformas de Base
constituíram o programa do partido. Desse modo, as Reformas de Base foram a
plataforma política da candidatura de João Goulart para reeleição à
vice-presidência da República, em 1960, pleito do qual saiu vitorioso.
Já o candidato à presidência
eleito, Jânio Quadros, era antípoda ao projeto político, herdeiro do varguismo,
das Reformas de Base. Apesar de possuírem plataformas políticas opostas, Jânio
Quadros e João Goulart compuseram o mesmo governo, pois os cargos de presidente
e vice-presidente eram votados separadamente na época. Nesse ano da reeleição
de Goulart (1961), entre os dias 5 e 17 de agosto, as Reformas de Base foram
objeto de discussão política na Reunião Extraordinária do Conselho Interamericano
Econômico e Social (CIES), realizada no Uruguai, em Punta Del Leste.
O governo de Jânio Quadros foi
marcado por reveses e inconsistências políticas. O mesmo presidente que
estabeleceu uma política cambial favorável aos negócios estadunidenses no
Brasil, condecorou o revolucionário cubano Ernesto Che Guevara com a Ordem
Nacional do Cruzeiro do Sul. A instabilidade política do governo de Jânio
Quadros levou-o à renúncia do cargo de presidente da República, em 25 de agosto
de 1961. Assim, caberia ao vice-presidente João Goulart assumir o posto
presidencial. No entanto, Goulart estava em missão diplomática na China,
atrasando a tomada de posse.
No Brasil, os ministros militares do governo de Jânio Quadros (ministro da guerra general, Odílio Denis; da Marinha, vice-almirante Sílvio Heck; e da Aeronáutica, brigadeiro Gabriel Grün Moss) tentaram impedir que Goulart tomasse posse. Eles alegavam que as relações de Goulart com os países socialistas comprometeriam a segurança nacional. O Congresso Nacional não aceitou a proposta dos ministros militares de impedimento a Goulart, e votou a contraproposta da alteração do regime presidencialista para o parlamentarista. Em 7 de setembro de 1961, João Goulart foi empossado presidente em regime parlamentarista.
Como presidente da República, João Goulart encampou as Reformas de Base como programa político do mandato. E contou com o apoio de grupos de esquerda e nacionalistas favoráveis às reformas: sob a liderança de Leonel Brizola foi criada a Frente de Mobilização Popular (FMP) para a defesa das reformas, também corroboravam para a implantação das reformas a União Nacional dos Estudantes (UNE), o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), o Pacto de Unidade e Ação (PUA) e a Frente Parlamentar Nacionalista (FPN). (Cf. Idem)
O encampamento das Reformas de Base tornou-se ainda mais efetivo quando após o plebiscito de 6 de janeiro de1963 o regime presidencialista voltou a vigorar. A maioria de votos para o regime presidencialista foi compreendida como endosso popular às Reformas de Base. Dessa maneira, a atuação do governo de João Goulart passou a ser mais incisiva na implantação das Reformas. Em 1963, Goulart enviou ao Congresso Nacional anteprojetos de reforma agrária e de reforma bancária. (Cf. Idem)
A Emenda nº 4 elaborada pelo PTB
acerca da reforma agrária foi vetada pelo Congresso. A maioria no Congresso não
se alinhava aos partidários das Reformas de Base, e a reforma que mais
incomodava a esses parlamentares era justamente a Reforma Agrária. Devido a
essa recusa à aprovação da Reforma Agrária, as demais reformas não conseguiam
respaldo no Congresso. Por conta do rechaço da maioria dos congressistas, os
grupos de apoio uniram-se ao poder Executivo para pressioná-los a validarem as
reformas. A CGT ameaçava mobilizar uma greve geral em prol das reformas e de
70% do aumento dos salários de servidores públicos, e sargentos e suboficiais
reivindicavam o direito ao voto, mesmo que para isso fosse necessário pegar em
armas. (Cf. Idem)
Além de não assentirem as emendas necessárias às reformas, os congressistas também se recusavam a regulamentar a Lei de Remessa de Lucros que controlaria e limitaria o envio anual de lucros de empresas estrangeiras para o exterior. A Lei de Remessa de Lucros somente foi regulamentada em janeiro de 1964 pelo presidente. Em virtude da contrariedade do Congresso Nacional em ratificar as Reformas de Base, João Goulart planejou ir às ruas em Comícios de Base para arregimentar forças populares pela implantação das reformas.
Em 13 de março de 1964, foi
realizado o Comício de Base em frente à Central do Brasil, no Rio de Janeiro,
reunindo cerca de duzentas mil pessoas. Durante o Comício, Goulart anunciou a
desapropriação de terras improdutivas e retomada de refinarias ao poder
público. O Comício de Base e o comunicado do presidente impulsionaram as
conspirações de setores conservadores e de direita que desencadearam o Golpe
Militar de 1964.
https://www.infoescola.com/historia-do-brasil/reformas-de-base/
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