DITADURA MILITAR: O GOVERNO DE CASTELO BRANCO

DITADURA MILITAR: O GOVERNO DE CASTELO BRANCO

Para a correta compreensão do regime militar brasileiro, é de fundamental importância ter em vista o cenário de seu surgimento: os intensos anos 1960. Assim, podemos pensar, como o historiador Marcelo Ridenti, que os anos 1960 foram, provavelmente, o momento da história republicana em que a convergência entre política, cultura, vida pública e privada e, especialmente, a intelectualidade apresentou-se de forma mais explícita.

Discutiam-se propostas de revolução política, econômica e cultural sob os matizes mais diversos. Observa-se um amplo movimento de insurreição contra a ordem vigente em nome de uma nova proposta de sociedade, gerando, assim um diálogo criativo que emanava dos mais diferentes movimentos sociais. A tônica era a ação, tida como essencial para a realização de mudanças, sobretudo no que concerne à transformação do homem e de sua realidade, sob a influência de teóricos e de revolucionários como Karl Marx e Che Guevara.

O novo regime político brasileiro, centralizado nas ações dos militares, foi fundado através do golpe de 31 de março de 1964, porém, a posse da junta militar provisória só aconteceu no dia 9 de abril do mesmo ano. Decretando o chamado AI-1 (Ato Institucional no 1), a junta buscava criar condições ideais para a reorganização do país segundo os moldes da direita nacional.

Durante todo o período militar, os Atos Institucionais serviram como instrumentos arbitrários e contrários às normas democráticas até então vigentes, já que consistiam em uma ordem política, administrativa ou jurídica que não contava com uma aprovação do Congresso. Além de marcar eleição indireta para presidente em dois dias, o AI-1 aumentou as atribuições do Poder Executivo, que poderia cassar mandatos, suspender direitos políticos e aprovar emendas constitucionais com maioria simples no Congresso.

O presidente eleito foi o marechal Castelo Branco, líder da Escola Superior de Guerra (ESG) e simpatizante da necessidade de se restabelecer, após o reordenamento do país, de acordo com a visão golpista, o retorno à democracia. O pensamento do presidente era compartilhado por um grupo de militares classificados como “castelistas” ou “grupo da Sorbonne”, em alusão à faculdade francesa, já que eram tidos como militares intelectualizados. Na oposição, estava a Linha Dura, grupo que acreditava na condução do Executivo pelos militares, que, além de encerrarem o que consideravam o perigo de esquerda, poderiam levar o país a uma fase de desenvolvimento.

A tomada do poder pelos militares em 1964 representou o alinhamento de diversas forças em prol da sustentação do poder político militar, entre elas, destacam-se empresas nacionais e transnacionais, o governo estadunidense e setores das Forças Armadas ligados à Escola Superior de Guerra, responsável pela coordenação das iniciativas dos conspiradores civis e militares. A ação desses setores era corroborada, em termos ideológicos, pela Doutrina de Segurança Nacional, cuja criação data de 1949, mediante auxílio técnico estadunidense e francês.

Essa doutrina tinha como objetivo treinar, sob o mais alto nível, parte do corpo militar para atuar no que se refere à direção e ao planejamento da segurança nacional, sobretudo em face da ameaça comunista. Para tanto, erigiu-se uma aliança interamericana, alimentada por missões militares destinadas a vários países latino-americanos, que promovia a assistência militar.

Trata-se, desse modo, de um desdobramento da Doutrina Monroe (1823), que se aprofunda com o contexto da Guerra Fria, passando a necessitar de um sistema de segurança não apenas norte-americano, mas distribuído por todo o continente latinoamericano. Grandes setores do empresariado apoiavam tais desdobramentos, já que viam nos militares a necessária estabilidade para manter a segurança e o crescimento dos projetos econômicos por eles investidos.

Vários abusos foram cometidos durante os primeiros dias do novo regime. Além do fechamento de algumas instituições representativas, como a União Nacional dos Estudantes (UNE), foram realizadas centenas de cassações de mandatos, principalmente de políticos do PTB que apoiavam o presidente deposto – João Goulart. No âmbito econômico, foi criado o Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG), conduzido pelos ministros liberais Roberto Campos, do Planejamento, e Otávio Gouveia de Bulhões, da Fazenda.

A meta desse plano ortodoxo era acabar com a in ação por meio de uma política de restrição dos gastos públicos, controle da emissão de moeda e arrocho salarial. Apesar da diminuição do poder de compra do trabalhador, o PAEG, por meio de uma política recessiva, conseguiu reduzir a in ação de 91%, em 1964, para 24%, em 1967, criando as bases para a emergência do “milagre econômico”.

Os trabalhadores também foram surpreendidos com o m da estabilidade no emprego e com o lançamento do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), além da criação de uma nova moeda, o Cruzeiro Novo, e a fundação do BNH (Banco Nacional de Habitação), responsável por conduzir uma política pública de estímulo à compra da casa própria.

A vitória de lideranças políticas de oposição nas eleições de 1965 fez com que o governo decretasse, ainda no mesmo ano, o AI-2. O novo ato determinava eleições indiretas para a Presidência, no ano de 1967, e poderes extraordinários para o Executivo, inclusive o de fechar qualquer órgão do Legislativo. Porém, a principal mudança foi a reforma partidária, que determinou a extinção da vasta quantidade de partidos existentes no Brasil, instituindo o bipartidarismo: Arena (Aliança Renovadora Nacional) e MDB (Movimento Democrático Brasileiro).

O primeiro partido, composto dos antigos membros da UDN e de parcela do PSD que havia apoiado o golpe, era favorável ao regime. O Arena defendia posição contrária à do MDB, do qual faziam parte os membros do PTB e do PSD que não haviam sido afastados da vida política pelas cassações. A restrição partidária significou mais um golpe na capacidade de debate político da sociedade brasileira. No ano de 1966, o regime deu um novo sinal de endurecimento com o AI-3, que instituía eleições indiretas também para governadores e prefeitos das principais cidades.

Já em 1967, o AI-4 reabriu o Congresso, fechado no ano anterior, quando o afastamento de seis deputados pelo governo foi recusado. O objetivo do novo ato era a aprovação de uma nova Carta Constitucional que abrigaria as determinações dos atos institucionais anteriores.

A criação da Constituição de 1967 indica que o regime militar, nos primeiros anos, tentava dar uma projeção de legalidade às suas ações, evitando o confronto direto e formal com o Estado de Direito. Esse período, classificado pelo jornalista Elio Gaspari como “Ditadura Envergonhada”, desmoronou com a eleição de Costa e Silva em 1967. Membro da Linha Dura, o novo presidente fecharia o regime em menos de um ano de mandato.

 

 

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