A ERA JK

A ERA JK

Ainda restavam 17 meses de mandato quando Café Filho assumiu a Presidência. O destaque de seu governo ficou por conta da campanha presidencial, a mais acirrada do período. Vencendo Ademar de Barros, do PSP, e Juarez Távora, da UDN, Juscelino Kubitschek foi eleito através de uma aliança entre PSD e PTB. A vitória apertada – JK recebeu 36% dos votos – criou um clima de resistência à posse do político mineiro, principalmente na UDN e em alguns grupos das Forças Armadas, organizados na Escola Superior de Guerra (ESG).

O afastamento do presidente Café Filho por supostos problemas cardíacos e a posse do presidente da Câmara, Carlos Luz, opositor do presidente eleito, foi o primeiro passo para um golpe de Estado, que não se concretizou pela resistência do ministro da Guerra, Henrique Teixeira Lott. Mostrando-se defensor da legalidade, o general Lott colocou as tropas nas ruas, afastou Carlos Luz do governo e assumiu o controle do país, entregando, em seguida, a Presidência a Nereu Ramos, presidente do Senado, que garantiu a entrega do cargo ao vitorioso das eleições de outubro de 1955.

Dentro de um quadro político conflituoso que se estendeu desde o período pós-1945, o governo de Juscelino Kubitschek mostrou-se estável, sendo cumpridas, durante seu mandato, a Constituição e as normas democráticas, apesar da oposição da UDN e de alguns esforços golpistas de setores das Forças Armadas, em especial da Aeronáutica. Essa estabilidade se explica pelo ambiente de crescimento econômico, acrescido de uma forte sustentação política no Congresso, através da aliança PTB / PSD. O papel pacificador exercido pelo ministro da Guerra, o general Henrique Teixeira Lott, também contribuiu para a harmonia do cenário político e para a manutenção da legalidade constitucional.

Defensor de um projeto de desenvolvimento do Brasil em diversos setores, o novo presidente, eleito pela coligação PTB / PSD, atraiu o voto da população brasileira através do lema “Avançar 50 anos em 5”. O audacioso intento foi chamado de Plano de Metas e abrangeria os setores de energia, transporte, alimentação, indústrias de base e educação. O Plano de Metas tinha como objetivo principal acelerar a acumulação de recursos financeiros no país, aumentando a produtividade dos investimentos já existentes e aplicando novos recursos em atividades produtoras, o que poderia elevar a economia brasileira a um novo patamar de desenvolvimento tecnológico.

A industrialização, acelerada por incentivos públicos e privados, criaria oportunidades de emprego e elevaria o nível de vida da população. Longe de alcançar todos os objetivos, o projeto do novo presidente destacou-se apenas nos setores de transporte, energia e indústria, tendo os setores sociais ocupado posição periférica. O Governo Juscelino priorizou a ampliação da malha rodoviária brasileira, que chegou a alcançar um índice de crescimento de 138%, quando comparado os anos entre 1957 e 1961. Grandes estradas ligando os estados brasileiros foram abertas, como a Rodovia Belém-Brasília, com uma extensão de 20 mil quilômetros.

A abertura de rodovias veio acompanhada da atração de empresas estrangeiras automobilísticas para o Brasil, as quais instalaram suas multinacionais e ampliaram o desejo de consumo da classe média, utilizando-se de uma permanente campanha publicitária que associava a melhora do padrão de vida ao automóvel.

A opção pela rodovia teve graves consequências, as quais foram sentidas por décadas, como a dependência do petróleo, o descaso e o sucateamento da malha ferroviária e o alto custo de manutenção das estradas. Além da indústria automobilística, outras empresas foram estimuladas a se instalar no Brasil durante esse período, como é o caso das empresas farmacêuticas, petroquímicas e eletroeletrônicas. Fruto dessa expansão, o setor secundário apresentou um crescimento de 80% durante o mandato de Juscelino.

O pretensioso crescimento econômico proposto pelo governo ocorreu por meio de um modelo que fugia às determinações nacionalistas de Vargas, sendo orientado por um plano de desenvolvimento gerado a partir da utilização de recursos estrangeiros, seja através do envio direto de capital para investimento, seja por meio da entrada de multinacionais no país. É possível afirmar que, no Governo JK, o Estado assumiu a responsabilidade pelo investimento de capital nos setores da indústria de base, ao mesmo tempo que criou condições para o avanço do capital internacional na indústria de bens de consumo. Chamado de nacional-desenvolvimentismo, o modelo de Juscelino garantiu o crescimento do país a um elevado custo de dependência e dívida externas, o que repercutiu negativamente na macroeconomia a médio e longo prazos.

O presidente construiu sua imagem refletindo um estilo arrojado, moderno e empreendedor, buscando se contrapor ao padrão político vigente até então. A sociedade urbana brasileira, especialmente a classe média, mostrou-se motivada a transformar-se em uma sociedade de consumo de bens duráveis, a exemplo dos automóveis e da televisão. A materialização de um novo estilo de vida, cada vez mais próximo do modelo norte-americano – identificado no termo american way of life –, agradava à classe média, amplamente beneficiada pelo governo de Juscelino. Ficava evidente, porém, que o modelo implantado era excludente, priorizando limitada parcela da sociedade brasileira, e capaz de gerar concentração de renda, já que, no final desse governo, 1% da população detinha 30% da renda, enquanto os 50% mais pobres possuíam apenas 15%. O Brasil ainda era de poucos.

Simbolizando a opulência projetada para sua administração, Juscelino empenhou-se em integrar o Brasil através da transferência da capital para o centro do país – ideia antiga que foi pauta de várias discussões políticas no decorrer da história brasileira –, construindo a cidade de Brasília. Essa mudança foi um marco no processo de interiorização territorial da nação e representou uma consequente melhora na distribuição demográfica. Além disso, transferir a capital nacional da área litorânea para o interior significava resguardá-la de um conflito militar ou mesmo de uma revolta popular. O desenvolvimento regional também se concretizou com a criação da Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste), que apresentou pouco sucesso, principalmente pelo excessivo desvio de verbas governamentais e pela ausência de efetivos mecanismos de integração social.

O desenvolvimento industrial do Brasil se fez em um cenário de abandono do campo, semelhante ao ocorrido nos governos anteriores. A consequência direta desse processo foi a intensificação do êxodo rural, o que colaborou para a ampliação de um quadro de miséria nas cidades que atingiria seu auge no final dos anos 1970. A desigualdade campocidade se mostrava mais nítida na região Nordeste. As inúmeras secas, a concentração fundiária, a extrema miséria da população e o descaso governamental intensificaram o esforço do campesinato por acesso à terra e melhores condições de vida. A fundação das Ligas Camponesas em Vitória de Santo Antão, Pernambuco, em 1955, representou o momento determinante para a luta no campo. Conduzidas pelo advogado Francisco Julião, as Ligas buscavam a desapropriação das terras do engenho Galileia, onde viviam 140 famílias de foreiros.

A luta judicial foi encerrada com a conquista das terras pelos camponeses em 1959, incentivando, em todo o país, a propagação de outros núcleos das Ligas. A resistência de setores conservadores a esse movimento foi responsável pela ampliação do conflito no campo. É importante ressaltar que o Brasil permanecia carente de uma legislação trabalhista que mediasse as relações entre o capital e o trabalho no campo.

No final do mandato do presidente JK, a economia brasileira já sentia os reflexos negativos de sua política econômica. A in ação, fruto de uma elevada emissão de moeda no momento de retração dos empréstimos internacionais e do gigantesco crescimento da dívida externa – que atingiu em 1961 a cifra de US$ 3,1 bilhões –, acabou por mostrar a fragilidade da opção tomada pelo presidente. A ruptura das negociações com o FMI no final do mandato foi o desfecho do cenário de crise herdado pelo novo presidente eleito em outubro de 1960.

A década de 1950, encerrada com o Governo JK, foi marcada por novas experiências culturais que refletiram a expansão da perspectiva liberal burguesa da classe média brasileira. A novidade tecnológica ficava a cargo da televisão, introduzida no Brasil em 1950. Praticamente um objeto de luxo nas casas do Sudeste, a TV foi lentamente ocupando o espaço nos lares, entretendo as famílias através de programas ao vivo nos horários noturnos. A introdução do videotape no final da década de 1950 possibilitou a sofisticação dos programas, que iriam atingir em cheio a massa populacional através das telenovelas nos anos 1960 e 1970.

Ao mesmo tempo que a TV avançava no país, a Bossa-Nova dava seus primeiros passos com João Gilberto e Tom Jobim, refletindo a modernização urbana através do seu ritmo lento e com clara influência do jazz, distante das raízes musicais brasileiras e, ao mesmo tempo, correspondendo às novas perspectivas da classe média.

 

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