A REVOLTA FARROUPILHA E A REAÇÃO
IMPERIAL
No ano de 1835 os ânimos
políticos estavam exaltados. O descontentamento de estancieiros, liberais,
industriais do charque e militares locais promoviam reuniões em casas de particulares,
destacando-se a figura de Bento Gonçalves. Naquele ano foi nomeado como
presidente da província Antônio Rodrigues Fernandes Braga, que chegara ao posto
pela indicação de Bento Gonçalves e, apesar de ser rio-grandense, passara tanto
tempo servindo o Império na Europa e nos Estados Unidos, logo após seus estudos
em Coimbra, que não tinha laços suficientemente sólidos estabelecidos no Rio
Grande. Fernandes Braga, apesar de inicialmente ter agradado aos liberais, logo
entrou em atrito. Na sessão inaugural da Assembleia Provincial em 22 de abril,
perante uma plateia majoritariamente hostil, acusou os liberais extremados de
planejarem separar o Rio Grande do Sul do Império e uni-lo ao Uruguai. O
presidente da província, secundado pelo comandante das armas Sebastião Barreto
Pereira Pinto, mencionava Bento Gonçalves e referindo-se também a Lavalleja e
ao seu mentor, o indigno Padre Caldas. Houve protestos e contraprotestos nas
acaloradas sessões seguintes, Fernandes Braga ainda tentou corrigir-se e apaziguar
os ânimos, mas já era tarde demais. A discussão também seguia na imprensa, de
maneira muitas vezes violenta e extremada.[
Na noite de 18 de setembro de
1835, em uma reunião onde estavam presentes José Mariano de Mattos (um ferrenho
separatista), Gomes Jardim (primo de Bento e futuro presidente da República
Rio-Grandense), Vicente da Fontoura (farroupilha, mas anti-separatista), Pedro
Boticário (fervoroso farroupilha), Paulino da Fontoura (irmão de Vicente, cuja
morte seria imputada a Bento Gonçalves, estopim da crise na República), Antônio
de Sousa Neto (imperialista e farroupilha, mas que simpatizava com os ideais
republicanos) e Domingos José de Almeida (separatista e grande administrador da
República), decidiu-se por unanimidade que dentro de dois dias, no dia 20 de
setembro de 1835, tomariam militarmente Porto Alegre e destituiriam o
presidente provincial Antônio Rodrigues Fernandes Braga.
Em várias cidades do interior as
milícias foram alertadas para deflagrarem a revolta. Bento comandava uma tropa
reunida em Pedras Brancas, hoje cidade de Guaíba. Gomes Jardim e Onofre Pires
comandavam os farroupilhas aquartelados, com cerca de 200 homens, no morro da
Azenha, o atual cemitério São Miguel e Almas. Também mantinham, no dia 19 de
setembro de 1835, um piquete com trinta homens nas imediações da ponte da
Azenha sobre o arroio Dilúvio, comandado por Manuel Vieira da Rocha, o cabo
Rocha, que aguardava o amanhecer do dia 20 para investir, junto com o restante
da tropa, contra os muros da vila. Porém Fernandes Braga ouvira alguns boatos
e, desconfiado, mandou uma partida de 9 homens sob o comando de José Gordilho
de Barbuda Filho, o 2° visconde de Camamu, fazer um reconhecimento durante a
noite. Descuidados e inexperientes, os guardas imperiais se deixaram notar e
foram atacados pelo piquete republicano e fugiram, resultando 2 mortos e cinco
feridos. Um dos feridos, o próprio visconde, sujo e ensanguentado alertou
Fernandes Braga da revolta. Eram 11 horas da noite de 19 de setembro de 1835.
Fernandes Braga ainda tentou
organizar uma resistência e, ao amanhecer, estava junto ao depósito de armas,
hoje ponta do gasômetro, tentando reunir homens para a resistência. Porém, até
o meio da tarde somente 17 homens se apresentaram para defender a cidade, pois
o 8° Batalhão de Caçadores, comandado por João Manuel de Lima e Silva havia se
declarado revolucionário. Vendo a escassez de armas e munição, Braga resolveu
fugir a bordo da escuna Rio-Grandense seguido pela canhoneira 19 de Outubro,
indo parar em Rio Grande, então maior cidade da província. Deixou sua esposa,
família e as chaves do palácio aos cuidados do cônsul norte-americano, Isaac
Austin Haÿes, que também deu proteção a outras famílias.
Os farroupilhas adiaram a
investida combinada, devido ao inusitado da noite anterior. Somente ao
amanhecer o dia 21 de setembro de 1835 chegaram às portas da cidade Bento
Gonçalves e os demais comandantes, seguidos por suas respectivas tropas. Porto
Alegre abandonada, sem resistência, entregou-se aos revolucionários. No resto
da província apenas alguns focos de resistência em Rio Pardo e São Gabriel,
além de Rio Grande, mantinham os farroupilhas ocupados.
A Câmara Municipal reuniu-se
extraordinariamente para ocupar o cargo de Presidente. Na ausência dos
vice-presidentes imediatos, assumiu o quarto vice, Marciano Pereira Ribeiro. Em
25 de setembro Bento Gonçalves expediu uma carta ao regente imperial, padre
Diogo Antônio Feijó, explicando os motivos da revolta e solicitando a nomeação
de um novo Presidente e comandante das armas. Os revoltosos davam, então, o
conflito por encerrado.
De Rio Grande, Fernandes Braga
embarcou para o Rio de Janeiro em 23 de outubro, capital do Império do Brasil.
Uma vez na Corte, Braga passou a sua versão da história, bastante diferente da
carta enviada por Bento Gonçalves. O novo indicado, José de Araújo Ribeiro,
veio acompanhado de um verdadeiro aparato de guerra: onze brigues e escunas,
além de diversas canhoneiras, lanchas e iates, carregados de armamento e muitos
soldados imperiais, sob o comando do capitão de mar e guerra John Pascoe
Grenfell.
Araújo Ribeiro chegou a Porto
Alegre no início de dezembro, devendo tomar posse em 9 de dezembro. Uma
confusão em relação ao papel de Pereira Duarte no apoio à causa farroupilha fez
com que fosse adiada a posse, retirando-se Araújo Ribeiro para Rio Grande, com
intenção de retornar à Corte. Lá foi convencido por Bento Manuel e outros
amigos a permanecer, com a promessa de apoio à Presidência, tomando então posse
perante a Câmara Municipal de Rio Grande, em 15 de janeiro de 1836. Bento
Manuel, que havia apoiado a revolta inicial e ainda iria trocar de lado na
disputa duas vezes, deslocou-se para o interior e depois para Porto Alegre com
o intuito de cercá-la. Os liberais receberam a posse de Araújo Ribeiro como declaração
de guerra, reunindo seus soldados que estavam dispersos desde outubro, sob a
presidência de Marciano Ribeiro.
Como Presidente Imperial da
Província, Araújo Ribeiro tratou de recompor seu exército, reunindo oficiais
gaúchos contrários aos farroupilhas, como João da Silva Tavares, Francisco
Pedro de Abreu (o Chico Pedro ou Moringue), Manuel Marques de Sousa, mais tarde
conde de Porto Alegre, Bento Manuel Ribeiro, Manuel Luís Osório (hoje
patrono da cavalaria do Brasil), e até mesmo contratando mercenários vindos do
Uruguai. Administrativamente mandou fechar a Assembleia Provincial e destituiu
Bento Gonçalves do comando da Guarda Nacional, nomeação feita por Marciano José
Pereira Ribeiro, desautorizando-o. Iniciou-se aí a resistência em Rio Grande e
a perseguição aos revoltosos. No Rio de Janeiro o governo proibiu a utilização
da alfândega de Porto Alegre, enquanto a cidade estivesse em posse dos
rebeldes, restringindo a chegada de navios.[26]
Em abril de 1836, o comandante-das-armas farroupilhas, João Manuel de Lima e Silva, prendeu o major Manuel Marques de Sousa, que foi trazido junto com os demais prisioneiros para o navio-prisão Presiganga. Na noite de 15 de junho de 1836, com a ajuda de um guarda corrupto, os prisioneiros foram soltos e, sob o comando de Marques de Sousa e com ajuda de Bento Manuel, os Imperiais retomaram a cidade de Porto Alegre das mãos dos farroupilhas. Foram presos Marciano Ribeiro, Pedro Boticário e mais 32 revoltosos. A casa do cônsul norte-americano foi invadida em 17 de setembro e revistada em busca de armas e revoltosos. Dois dias depois o cônsul foi preso, na prisão ameaçado pelo visconde de Castro e e pelo general-brigadeiro Carneiro se não escrevesse ao general João de Deus Mena Barreto requerendo sua liberdade. O cônsul foi libertado alguns dias depois e retornou aos Estados Unidos depois de alguns meses.
Dias depois, Bento Gonçalves
tentou retomar a capital, mas foi rechaçado e começou uma série de sítios ao
redor da cidade que terminou definitivamente somente em dezembro de 1840. Sem
o controle da capital e do único porto marítimo da província, os revoltosos
estabeleceram quartel-general na cidade de Piratini.
Em 21 de agosto, as tropas navais
de Grenfell têm sua primeira vitória, com a tomada do forte do Junco, num
ataque comandado pelo capitão-tenente Guilherme Parker, com o brigue-escuna
Leopoldina, o patacho Vênus e seis canhoneiras, além de uma tropa de infantes
comandados pelo coronel Francisco Xavier da Cunha. Cinco dias depois, o forte
de Itapoã foi conquistado, deixando aberto aos imperiais o acesso fluvial a
Porto Alegre.
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