A ANTROPOLOGIA DURANTE O SÉCULO
XX
Inicialmente centrada na
denominada "Etnologia", a Antropologia Francesa arranca, como
disciplina de ensino, no Instituto de Etnologia do Museu do Homem, em Paris, a
partir de 1927. No início, a disciplina se vinculara ao Museu de História Natural,
porque se considerava a antropologia como uma subdisciplina da História
Natural.
O grupo de Durkheim visava constituir uma ciência propriamente social. O debate francês se inspira sobre a tradicional questão de saber como ocorre o processo de diferenciação social nas sociedades industriais no contexto de organização das sociedades nacionais e das instituições republicanas, questão que recebeu inúmeros desdobramentos nas obras de Marcel Mauss - que publica com Henri Hubert, em 1903, a obra Esboço de uma teoria geral da magia, na qual forja o conceito de mana - Denise Paulme, Germaine Tillion, Germaine Dieterlen, Lucien Lévy-Bruhl, Marcel Griaule, Maurice Leenhardt e Michel Leiris.
Já nos Estados Unidos, Franz Boas
desenvolve a ideia de que cada cultura tem uma história particular e
considerava que a difusão de traços culturais acontecia em toda parte, em
várias direções. A antropologia estende a investigação ao trabalho de campo,
por meio da qual estuda-se a cultura em seus próprios termos. Surgia o culturalismo,
também conhecido como "particularismo histórico", rejeitando, de
maneira marcante, o evolucionismo que dominou a Antropologia na segunda metade
do século XIX. Consolida-se o conceito de relativismo cultural (ver também
Alfred Louis Kroeber, C. Wissler e Robert Lowie).
Deste movimento surgiria posteriormente a escola antropológica da Cultura e Personalidade. Criada por discípulos de Boas, influenciadas pela Psicanálise e pela obra de Nietzsche, esta vertente teórica concebe a cultura como detentora de uma "Personalidade de base", partilhada por todos os membros. Busca-se, assim, estabelecer uma tipologia cultural, como, por exemplo, classificando as culturas como dionisíacas (centradas no êxtase) e apolíneas (estruturadas no desejo de moderação), ou ainda como pré-figurativas, pós-figurativas, cofigurativas. Destacam-se as obras de Ruth Benedict, Margaret Mead, Gregory Bateson e Ralph Linton.
Paralelamente a estes movimentos, na Inglaterra nascia com Bronislaw Malinowski o funcionalismo, que enfatizava o trabalho de campo (observação participante) - base para a etnografia, que envolve a elaboração desta produção intelectual - e postulava que o conhecimento acerca de uma cultura exige apreendê-la na sua totalidade. As instituições sociais ocupam o centro do debate, a partir das funções que exercem na manutenção da totalidade cultural. Sob inspiração na obra de Durkheim, advogava-se um estreito paralelismo entre as sociedades humanas e os organismos biológicos (na forma de evolução e conservação) porque, em ambos os casos, a harmonia dependeria da interdependência funcional das partes. Alfred Radcliffe Brown, por sua vez, retoma os conceitos de estrutura e de função sob novo prisma, de modo a analisar as obrigações, as relações sociais. A ideia de que a função sustentaria a estrutura social, permitindo a coesão, fundamental dentro de um sistema de relações sociais, ganhou diversos desdobramentos e críticas nos trabalhos de Audrey Richards, Edmund Leach, Evans-Pritchard, Hilda Kuper, Lucy Mair, Max Glukman, Meyer Fortes, Raymond Firth e Victor Turner.
Uma inflexão no debate
antropológico ocorreu especialmente na década de 1940, com Claude Lévi-Strauss,
que passa a centrar o debate na ideia de que existem regras estruturantes das
culturas na mente humana, e assume que estas regras constroem pares de oposição
para organizar o sentido. Para fundamentar o debate teórico, Lévi-Strauss
recorre a duas fontes principais: a corrente psicológica criada por Wilhelm
Wundt e o trabalho realizado no campo da linguística, por Ferdinand de
Saussure, denominado estruturalismo. Influenciaram-no, ainda, Durkheim,
Jakobson (teoria linguística), Kant (idealismo) e Marcel Mauss.
Para a Antropologia estrutural,
as culturas definem-se como sistemas de signos partilhados e estruturados por
princípios que estabelecem o funcionamento do intelecto. Em 1949, Lévi-Strauss
publica As estruturas elementares de parentesco, obra em que analisa os
aborígines australianos e, em particular, os seus sistemas de matrimônio e
parentesco. Nesta análise, Lévi-Strauss demonstra que as alianças são mais
importantes para a estrutura social que os laços de sangue. Termos como
exogamia, endogamia, aliança, consanguinidade passam a fazer parte das
preocupações etnográficas. Pode-se observar o desdobramento das reflexões
estruturalistas nas obras de diversos antropólogos, como Françoise Héritier,
Louis Dumont, Marshall Sahlins, Pierre Bourdieu, Pierre Clastres e Philipe
Descola.
Clifford Geertz é provavelmente, depois de Lévi-Strauss, o antropólogo cujas ideias causaram maior impacto na segunda metade do século XX, não apenas no que se refere à própria teoria e à prática antropológica, mas também fora de sua área, em disciplinas como a psicologia, a história e a teoria literária. Considerado o fundador de uma das vertentes da antropologia contemporânea - a chamada antropologia interpretativa - defende o estudo de "quem as pessoas de determinada formação cultural acham que são, o que elas fazem e por que razões elas crêem que fazem o que fazem". Nesta vertente teórica, a cultura é analisada como hierarquia de significados e a etnografia envolve a elaboração de uma descrição densa, de interpretação escrita, cuja análise é possível por meio de uma inspiração hermenêutica. É crucial a leitura da leitura que os "nativos" fazem de sua própria cultura. Uma das metáforas preferidas de Geertz, para definir o que fará a antropologia interpretativa, é a leitura das sociedades enquanto textos ou como análogas a textos. A interpretação ocorre em todos os momentos do estudo, da leitura do "texto", pleno de significado, que é a sociedade na escrita do texto/ensaio do antropólogo, por sua vez interpretado por aqueles que não passaram pelas experiências do autor do texto escrito. Todos os elementos da cultura analisada devem portanto ser entendidos à luz desta textualidade, imanente à realidade cultural.
Na década de 1980, o debate teórico na Antropologia ganhou novas dimensões. Muitas críticas a todas as vertentes surgiram, questionando o método e as concepções antropológicas. No geral, este debate privilegiou algumas ideias: a primeira delas é que a realidade é sempre interpretada, ou seja, vista sob uma perspectiva subjetiva do autor, portanto a antropologia seria uma interpretação de interpretações. Da crítica das retóricas de autoridade clássicas, fortemente influenciada pelos estudos de Michel Foucault, surgem metaetnografias, ou seja, a análise antropológica da própria produção etnográfica. Contribuiu muito para esta discussão a formação de antropólogos nos países que então eram analisados apenas pelos grandes centros antropológicos.
A Antropologia pós-moderna privilegia a discussão acerca do discurso antropológico, mediado pelos recursos retóricos presentes no modelo das etnografias. Politiza a relação observador-observado na pesquisa antropológica, questionando a utilização do "poder" do etnógrafo sobre o "nativo", e crítica os paradigmas teóricos e da "autoridade etnográfica" do antropólogo. A pergunta essencial é: quem realmente fala na etnografia? O nativo? Ou o nativo visto pelo prisma do etnógrafo? A etnografia passa a ser desenvolvida como uma representação polifónica da polissemia cultural – e nela deveriam estar claramente presentes as vozes dos vários informantes. Denis Tedlock, George Marcus, James Clifford, Michel Fischer, Paul Rabinow, Renato Rosaldo e Vincent Crapanzano são alguns dos expoentes deste debate.
Outros movimentos significativos,
na história do século XX, para a teoria antropológica foram as escolas Cognitiva,
Simbólica e Marxista, além das críticas feministas, pós-coloniais e de coloniais.
São inúmeras as colaborações, dentre as quais destacam-se os trabalhos de:
Arturo Escobar, Bruno Latour, Donna Haraway, Frantz Fanon, Jean Comaroff,
Johannes Fabian, John Comaroff, Marshall Sahlins, Marilyn Strathern, Michael
Taussig, Sherry Ortner, Talal Asad e Tim Ingold.
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