O BRASIL INDEPENDENTE E O RIO GRANDE DO SUL

O BRASIL INDEPENDENTE E O RIO GRANDE DO SUL

Em 1822, com a Independência do Brasil, a Capitania se tornou uma Província, foi constituída a primeira Assembléia eleita, e recebeu seu primeiro governante civil, José Feliciano Fernandes Pinheiro, autor também da primeira história geral do estado, os Anais da Província de São Pedro. Nesta altura a população total chegava a cerca de 90 mil almas. Pelo interior os povoados se multiplicavam, aparecendo Jaguarão, Passo Fundo, Cruz Alta, Triunfo, Taquari, Santa Maria. Na capital viviam cerca de 12 mil pessoas. Auguste de Saint-Hilaire, visitando na década de 1820, considerou-a bela, com um comércio variado, muitas oficinas e casas de dois andares, com um povo formoso e vigoroso, mas deplorou a sujeira das ruas. Sobre a administração da Província sua opinião foi claramente condenatória:

"Os abusos atingiram o cúmulo, ou melhor, tudo era abuso. Os diversos poderes confundiam-se e tudo era decidido pelo dinheiro e pelos favores. O clero era a vergonha para a Igreja Católica. A magistratura, sem probidade e sem honra.... Os empregos multiplicavam-se ao infinito, as rendas do Estado eram dissipadas pelos empregados e pelos afilhados, as tropas não recebiam seus soldos; os impostos eram ridiculamente repartidos; todos os empregados desperdiçavam os bens públicos, o despotismo dos subalternos chegou ao cúmulo, em tudo o arbítrio e a fraqueza andam a par da violência.”

O ano de 1824 foi marcado pelo início da colonização alemã no estado, uma iniciativa do governo imperial para povoamento do sul, que visava dignificar o trabalho manual, formar uma classe média independente dos latifundiários, engrossar as forças de defesa do território e dinamizar o abastecimento das cidades.[9] Integrava a política imigratória do governo, também, o desejo de "branquear" a população brasileira, até então majoritariamente negra e mestiça, e por isso a escolha de alemães. Isso se repetiria no fim do século, com o incentivo à imigração de italianos, ibéricos e eslavos.

Chegando em Porto Alegre, os imigrantes aguardavam até a definição de suas terras e a concessão de provisões iniciais. Nesta cidade grupos remanescentes deram origem ao bairro Navegantes. O grosso do contingente, porém, seguiu para a região ao norte da capital, concentrando-se em torno do rio dos Sinos, formando os núcleos iniciais de cidades como Novo Hamburgo e São Leopoldo e desbravando as matas em torno para instalação de propriedades rurais. As levas de imigrantes germânicos continuariam a chegar ao longo de todo o século XIX, totalizando mais de 40 mil indivíduos, e os centros de povoamento que eles fundaram desenvolveram economias prósperas e culturas regionais características.

As guerras, porém, continuavam. O estado foi a base de operações durante a Guerra Cisplatina, que eclodiu em 1825 pretendendo recuperar o território da Província Cisplatina para as Províncias Unidas do Rio da Prata, havendo em território gaúcho algumas escaramuças e um grande confronto, a Batalha do Passo do Rosário, tida como a maior batalha campal já ocorrida no Brasil. Fructuoso Rivera chegou a reconquistar para as Províncias Unidas os Sete Povos das Missões, mas com a assinatura da Convenção Preliminar de Paz, em 1828, as Missões foram devolvidas — não sem antes serem pilhadas pelo exército em retirada, que carregou 60 carretas com objetos preciosos e obras de arte. O Brasil acabou por entregar a Cisplatina por força do Tratado do Rio de Janeiro, que criou a República Oriental do Uruguai.

Depois disso, as Missões, que já não estavam em boas condições desde a expulsão dos jesuítas, entraram em rápida decadência e sua população se dispersou. Perdendo suas referências, muitos índios se entregaram à bebida e ao crime, ou foram incorporados à força nas milícias brasileiras e platinas, enquanto mulheres se entregavam à prostituição. Outros se ocuparam nas estâncias de gado, virando peões e assumindo as lides campeiras, encontrando aqui um estilo de vida um pouco mais afim do que levava antigamente e contribuindo para a mitologia do "gaúcho". Mas sua situação em geral era precária, considerados párias irrecuperáveis, e um viajante, notando o abandono em que estavam decaídos, os descreveu como "um bagaço de gente".

Porém, a situação política e econômica no Rio Grande se tornava cada vez mais instável. A partir da transferência da corte portuguesa para o Brasil em 1808, ocorreram mudanças nas relações de poder entre o governo e a elite rural-militar local que abalaram a antiga aliança que vigorava no tempo de conquista do território rio-grandense, e ampliaram a concorrência entre diferentes setores em busca de uma maior aproximação ao monarca e aos favores que ele dispensava. Depois da Independência do Brasil a instabilidade se agravara com mudanças no sistema fiscal prejudiciais aos interesses da elite agrária e dos charqueadores, gerando crescente oposição ao imperador D. Pedro I e seus generais e ministros. Um período de novas alianças foi forjado durante a questão Cisplatina, pois para os estancieiros a anexação de um novo e vasto território lhes franqueava o acesso a grandes recursos adicionais, mas a perda dessa vantagem com a independência do Uruguai causou insatisfações e prejuízos econômicos, e para piorar aumentava a pressão da Coroa sobre a província, impondo governadores indesejados, cerceando a autonomia e a atividade miliciana dos estancieiros, extinguindo antigas fontes de renda da elite ligadas à governança (como os contratos de arrecadação de dízimos) e aumentando os tributos sobre os comerciantes e charqueadores. Esses fatores, entre outros, levariam em breve à eclosão de uma revolta de grandes proporções.

 

 

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