AS CHARQUEADAS
Charqueada é a área da
propriedade rural onde se produz o charque, sendo normalmente galpões cobertos
onde a carne salgada é exposta para o processo de desidratação. A indústria
saladeiril e o ciclo do charque (século XIX), deixaram suas marcas no extremo
sul do Brasil, tornando Pelotas referência histórica e cultural. Toda a
produção de charque - como de resto as produções mineradora e agrária da época
, no Brasil - era baseada no trabalho dos escravos. Hoje, poucas das antigas
charqueadas existem, apenas as instalações , mantidas como marco turístico
regional. O charque era bem valorizado.
A consolidação das charqueadas,
grandes propriedades rurais de caráter industrial, só se dá no século XIX, às
margens dos arroios Pelotas, Santa Bárbara, Moreira e canal São Gonçalo. O
gado, matéria-prima, era proveniente de toda a região da campanha
rio-grandense, era fruto da multiplicação de exemplares trazidos pelos
espanhóis para a Banda Oriental no início do século XVII. As reses eram
introduzidas em Pelotas , entrando através do Passo do Fragata e vendido na
Tablada, grande local dos remates na região das Três Vendas.
A safra era sazonal e durava de novembro a abril. As charqueadas tinham em média 80 escravos, ocupados nos intervalos da safra em olarias nas próprias charqueadas, derrubadas de mato e plantações de milho, feijão e abóbora nas pequenas chácaras que cada charqueador possuía na Serra dos Tapes, onde ficam hoje a Cascata e as colônias de Pelotas.
Os navios que levavam o charque não voltavam vazios. Traziam mantimentos, livros, revistas de moda, móveis, louças da Europa - e açúcar do Nordeste, consolidando a tradição do doce em Pelotas. "Embora aqui não se plantasse cana-de-açúcar, os doces de Pelotas chegaram a ser rivais dos do Nordeste, região açucareira por excelência."
Em 1820, eram 22 charqueadas (depoimento de Auguste de Saint-Hilaire) e, em 1873, 38. "Número máximo que encontrei, num relatório da Presidência da Província", complementa.
O número de abates, num total de
400 mil cabeças de gado por ano. Simões Lopes Neto, na Revista do Primeiro
Centenário de Pelotas, editada em 1911, comenta que até aquela data foram
abatidas 45 milhões de reses e umas 200 firmas se sucederam.
Esta indústria promoveu o
surgimento e crescimento de várias atividades econômicas colaterais, como a
atividade hoteleira, comercial e cultural. Nesta última sobressai a construção
do Teatro Sete de Abril, que é o mais antigo em atividade no país, nos dias de
hoje.
Esta tradição pode ser revivida
no núcleo das charqueadas, por meio de visitas orientadas. Outra opção de
turismo é a "Rota das Charqueadas", um passeio pelas mansas águas do
Arroio Pelotas de onde se avistam as moradas que faziam parte do ciclo do charque,
tais como as Charqueada São João, construída em 1810, do português Antônio
Gonçalves Chaves e Charqueada Santa Rita, construída em 1826, de propriedade de
Inácio Rodrigues Barcelos. Também podem ser visualizadas as charqueadas do
Barão de Jarau, Barão do Butuí, Boaventura Rodrigues Barcelos, Barão de Arroio
Grande, Bernardes Rodrigues Barcelos e Antônio Oliveira de Castro (Conselheiro
Maciel).
De acordo com Daniel Balhego,
após extensa pesquisa bibliográfica, até 1777 a produção da carne conservada
através do sal e do sol era exclusividade do nordeste. É nesse referido ano que
ocorre o Tratado de Santo Ildefonso (1777), trazendo estabilidade bélica e
política à região, campo de disputas entre as coroas rivais da ´Península
Ibérica, e a trágica "Seca dos três Setes" que irá dizimar grande
parte dos rebanhos bovinos daquela região.
Outro fator trágico foi o
extermínio dos índios Guaranis pertencentes aos Sete Povos das Missões e a
expulsão dos padres jesuítas que conjuntamente criavam um número significativo
de bovinos que, abandonados, foram se multiplicando de forma considerável, o
chamado gado chucro, ou gado cimarrón, a ponto de chamar a atenção dos
bandeirantes que se dirigiam até o território Rio Grandense não para escravizar
indígenas ou procurar pedras ou metais preciosos, mas sim para capturar mulas e
bovinos para a posterior venda nas feiras paulistas, principalmente Sorocaba.
O ano de 1779 assinala a chegada
na cidade de Rio Grande, aos 22 anos, do português José Pinto Martins, vindo de
Aracati cidade do Ceará. Mas é nas margens do Arroio Pelotas, na Freguesia de
São Francisco de Paula (mais tarde Pelotas), que a instalação da primeira
charqueada será possível. O arroio irá dar a hegemonia da produção de charque
aos pelotenses até que se instale as primeiras ferrovias. A insalubridade do
ambiente fará com que o núcleo urbano diste 6 km do núcleo fabril. A mão de
obra escrava encontrará no trabalho do charque seu maior flagelo.
O Arroio Pelotas liga-se ao Canal
São Gonçalo , um canal natural de ligação entre a Lagoa Mirim e a Lagoa dos
Patos. A Lagoa dos patos, que por sua vez, abre-se no Oceano Atlântico na barra
de Rio Grande.
Uma das causas foi a abolição da
escravatura: houve o desaparecimento dos compradores que com o charque
alimentavam seus escravos nas mineração do ouro de Minas Gerais e plantações de
cana-de-açúcar na América Central e América do Sul, principalmente.
Outra, foi o advento dos
frigoríficos, na década de 1910. Em 1918, restavam apenas cinco charqueadas em
Pelotas. "O coronel Pedro Osório, que começou como charqueador, passou a
plantar arroz em 1905, transformando-se no maior industrial do setor no mundo e
conhecido como Rei do Arroz".
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