O TRATADO DE MADRID E A GUERRA
GUARANÍTICA
Das povoações ou aldeias, que
cede S. M. C. na margem oriental do rio Uruguai, sairão os missionários com
todos os móveis e efeitos levando consigo os índios para os aldear em outras
terras de Espanha; e os referidos índios poderão levar também todos os seus
bens móveis e semoventes, e as armas, pólvoras e munições, que tiverem em cuja
forma se entregarão as povoações à Coroa de Portugal com todas as suas casas,
igrejas e edifícios, e a propriedade e posse do terreno. As que se cedem por
Sua Majestade Fidelíssima e Católica nas margens dos rios Pequiri, Guaporé e
das Amazonas, se entregarão com as mesmas circunstâncias que a Colônia do
Sacramento, conforme se disse no artigo XIV; e os índios de uma e outra parte
terão a mesma liberdade para se irem ou ficarem, do mesmo modo, e com as mesmas
qualidades, que o hão de poder fazer os moradores daquela praça; exceto que os
que se forem perderão a propriedade dos bens de raiz, se os tiverem.
Artigo XIV: Sua Majestade
Católica, em seu nome e herdeiros, cede à Coroa de Portugal para sempre tudo o
que é ocupado pela Espanha, ou que por qualquer título ou direito possa
pertencer a ele, em qualquer parte da terra que por Estes artigos são
declarados pertencentes a Portugal; desde o monte dos Grandes Castelos e sua
orla sul e costa do mar até a nascente e a principal origem do rio Ibicuí. E
também produz todas e quaisquer cidades e estabelecimentos que foram feitos,
pela Espanha, no ângulo de terra entre a margem norte do rio Ibicuí e o lado
leste do Uruguai, e aqueles que podem ter sido fundados na margem leste do
país. Rio Pepirí e a cidade de Santa Rosa, e quaisquer outros que possam ter
sido estabelecidos, pela Espanha [...]
Artigo XVI: Das cidades ou vilas
que Sua Majestade Católica produz na margem oriental do rio Uruguai, os
missionários partirão com os móveis e os efeitos, levando consigo os índios
para povoá-los em outras terras da Espanha; e os índios acima mencionados
também podem carregar todos os seus móveis, bens e semi-bens, e as armas,
pólvora e munição que eles têm; de que forma as aldeias serão entregues à Coroa
de Portugal, com todas as suas casas, igrejas e edifícios, e a propriedade e
posse da terra. Os que forem transferidos por ambas as Majestades, Católica e
Fidelísima, nas margens dos rios Pequirí, Guaporé e Marañón, serão entregues
nas mesmas circunstâncias que Colonia del Sacramento, conforme disposto no
Artigo XIV; e os índios de ambos os lados terão a mesma liberdade de sair ou
ficar, da mesma maneira e com as mesmas qualidades que os habitantes daquele
lugar podem fazer; Somente quem sair perderá a propriedade do imóvel, se o
fizer.
Assim que o conteúdo do Tratado
de Madri foi divulgado, nos dois reinos manifestaram-se contundente oposição.
Em Portugal: António Pedro de Vasconcelos, ex-governador da Colônia do
Sacramento; Alexandre de Gusmão, ex secretário do João V, que trabalhara no
mapa geral; frei Gaspar da Encarnação, irmão do duque de Aveiros; Gomes Freire
de Andrade, governador do Rio de Janeiro e Minas Gerais, com jurisdição no sul
do Brasil; Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro marquês de Pombal;
mercadores e contrabandistas. Em especial, unia-lhes a posição contra a troca
da Colônia do Sacramento pelas terras e cidades missioneiras (oriente do rio
Uruguai e norte do rio Ibicuí), com a exclusividade castelhana sobre o Rio da
Prata Na Espanha, os partidários de Carlos IV de Nápoles e Sicília, que viria a
assumir o reino espanhol como Carlos III, deram eco às suas declarações contra
o convênio assinado por Fernando VI. Desde a península itálica, ele publicou
uma declaração contra o tratado.
De fato, as forças contrárias ao
tratado eram tão contundentes que dava a impressão que não seria executado.
Contribuía para isso a longa e penosa doença de João V, acamado desde 1747. A
assinatura acorrera em sua pior inanição, em janeiro. Até sua morte, em 31 de
julho de 1750, os discursos contrários pareciam colocar uma pá de cal naquela
ação diplomática. Entretanto, assim que José I (1714-1777) assumiu o poder, seu
gabinete resolveu cumprir o acordo. Dos colaboradores de seu pai manteve Pedro
de Mota e Silva na Secretaria de Estado dos Negócios do Reino. As reformas
iniciaram com a nomeação de Sebastião José de Carvalho e Melo para a Secretaria
de Estado dos Negócios Estrangeiros, e Diogo de Mendonça Corte-Real para a da
Guerra e da Marinha e Domínios Ultramarinos. Assim que as tratativas para a
execução do tratado foram retomadas, a militância jesuítica retomou com
contundência na península ibérica, em Roma e na América, a resistência em
defesa de modificação ou revogação, contrária a entrega das Missões da banda
oriental do rio Uruguai.
A área de principal litígio, a
oriente do rio Uruguai, correspondia aos trabalhos das Primeira e Segunda
comissões demarcatórias. À Primeira estava adstrita a demarcação da linha que
iniciava em Castillos Grande, percorria as nascentes dos rios da lagoa Mirim,
passava pelas cabeceiras do rio Negro, e ingressava na principal nascente do
Ibicuí, percorrendo o seu canal principal até a sua foz, no rio Uruguai. Deste
ponto, a Segunda Partida, demarcava a linha do rio Uruguai, no sentido de
jusante. Ingressava no rio Peperi-guaçu, localizava a nascente do Santo
Antônio, prosseguia pelo seu canal até o Iguaçu e, deste, findava no Salto
Grande (Sete Quedas), início da demarcação de responsabilidade da Terceira
Partida. Ou seja, cabia à Segunda fixar a divisão missioneira, realizando o
corte demarcatório principal da separação dos Sete Povos dos demais.
Os dois comissários principais,
Gomes Freire de Andrade e marquês de Valdelírios, com os comissários das três
partidas encarregadas das demarcações de limites do sul, se reuniram em 1752 na
costa atlântica, para começarem os trabalhos. No entanto, quando em fevereiro
de 1753, a Primeira Partida Demarcadora chegou a Santa Tecla (Bagé, RS),
estância do povo de São Miguel, foi impedida de prosseguir. Seus comissários
principais eram o coronel Francisco Antônio Cardoso (Portugal) e Juan de
Echavarria (Espanha). Com a oposição indígena, retiraram-se para a Colônia do
Sacramento e Buenos Aires. Ali foram recebidos pelos comissários principais.
Consequentemente, não conseguiram realizar os levantamentos além das cabeceiras
do rio Negro. As demarcações pelos rios Ibicuí e Uruguai seriam concluídas
somente em 1759, depois da Guerra Guaranítica.
Um ano após a publicação do
tratado, em 17 de janeiro de 1751, firmou-se um Convênio Secreto Adicional. Por
ele, os reis de Espanha e Portugal se comprometiam, em caso de uma resistência
dos “índios e habitantes”, a realizar a transmigração das aldeias e territórios
missioneiros, sob a força das armas. Esse Convênio Adicional era constituído de
quatro artigos separados, nos quais, para garantir a possessão das terras
permutadas de forma pacífica e perpétua, ambos os monarcas se comprometiam a
obter a desocupação dos territórios, por força das armas, caso não houvesse
obediência imediata a essa medida.
Se por um lado Tratado de Madri
foi elaborado para acabar com os desentendimentos entre Espanha e Portugal, no
que se refere às respectivas possessões na América, como forma de amenizar ou
resolver os conflitos até então latentes entre as Coroas Ibéricas; ao mesmo
tempo em que tentava impor a paz , o acordo estabelecia a retirada dos povos
Guarani do território compreendido pelos Sete Povos, criando assim, um conflito
em potencial. Em especial, o ponto chave desse conflito foi a troca da Colônia
do Sacramento e dos Sete Povos, entre Espanha e Portugal, respectivamente,
configurou-se numa questão delicada que poderia trazer consequências graves
para o Prata, marcando o fim da experiência dos povos jesuítico-guaranis, e
para a Europa, com a expulsão dos jesuítas e a extinção da Companhia de Jesus.
As autoridades ibéricas deram aos
índios guaranis o prazo de um ano, para efetuar a entrega aos portugueses, o
transporte de seus bens, a transferência de cerca de trinta mil pessoas. Em
meio a isso, os índios dos Sete Povos resistiram as exigências do tratado
enquanto os jesuítas tinham a obrigação moral de tentar persuadir os índios a
obedecerem as designações do rei, uma vez que a obediência que os jesuítas
deviam ao rei através do Real Patronato.
Para cumprir as designações do
tratado, por ordem do rei de Espanha, veio para a América o padre Luiz
Altamirano, comissário eclesiástico, encarregado de supervisionar o cumprimento
das estipulações do tratado, designado pelo Real Patronato. Em carta ao
Superior das Missões do Uruguai, Padre Strobel, de 22 de setembro de 1752,
Altamirano impõe aos padres algumas determinações. Em nome do rei e do Padre
Geral e sob pena mortal, em virtude da Santa Obediência, que os jesuítas não
impeçam, nem resistam direta ou indiretamente, por palavras ou por escrito, à
mudança dos índios. A data em que deveria ser processada a transmigração foi
estipulada: 3 de novembro de 1752. Devido a inúmeras dificuldades comuns à
mudança dessa monta não houve o tempo necessário para executá-la dentro do
prazo estipulado. Resolvidos então a não atender as ordens do Padre Altamirano,
alguns jesuítas prenderam-se a subterfúgios, com a finalidade de retardar o
máximo possível o deslocamento, na esperança de que com a demora, fosse
abandonada essa ideia. Apesar de todas as tentativas de Altamirano para que se
efetivasse uma mudança em geral pacífica, todas as investidas foram inúteis. Os
Sete Povos não estavam dispostos e não se intimidaram com as sucessivas formas
de pressão a que foram submetidos. Desta maneira os espanhóis foram
considerados obrigados a cumprir as disposições do tratado com a coroa
portuguesa que deu origem a Guerra Guaranítica (início de 1754).
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