O Surgimento da Sétima Arte
Algumas vertentes da arte possuem
uma história longínqua, praticamente inacessível por nós, viventes do século
XXI. Dois bons exemplos são a pintura e a música: a primeira, quiçá a forma
mais primitiva de arte, tem seu início registrado ainda na era pré-histórica,
enquanto a segunda, em seu modelo mais rudimentar, é considerada uma inovação
do século VII.
Com o cinema, por sua vez,
acontece justamente o oposto: a diferença temporal entre o ano em que estamos e
o ano de seu surgimento é extremamente curto, fazendo com que seja possível
entendermos sua evolução de maneira muito mais simples e verossímil, e
possibilitando, inclusive, que sintamos as semelhanças de sua evolução com a da
própria sociedade.
O marco inicial da Sétima Arte é
o ano de 1895. Fora neste ano que os Irmãos Lumiére, reconhecidos
historicamente como fundadores do cinema, inventaram o cinematógrafo, aparelho
inspirado na engrenagem de uma máquina de costura, que registrava a impressão de movimento (vale esclarecer: as câmeras
cinematográficas não captam a movimentação em tempo real, apenas tiram fotos
seqüenciais que transmitem-nos ilusão de movimento) e possibilitava a
amostragem deste material coletado a um público, através de uma projeção.
A idéia é basicamente a mesma de
uma câmera utilizada nos dias de hoje, porém seu funcionamento era manual,
através da rotatividade de uma manivela – anos depois, o processo se
mecanizara, e hoje em dia já podemos encontrar equipamentos desse porte em
formato digital, embora este possua qualidade inferior ao formato antigo.
Neste mesmo ano de 1895, mais
precisamente no dia 28 de dezembro, acontecera também a primeira sessão de
cinema, proporcionada justamente pelo trabalho destes franceses, Auguste e
Louis Lumiére. Seus pequenos filmes, que possuíam aproximadamente três minutos
cada, foram apresentados para um público de cerca de 30 pessoas.
Dentre os filmes exibidos estava
A Chegada do Trem na Estação, que mostrava, obviamente, a chegada de um trem a
uma estação ferroviária. Reza a lenda que, conforme a locomotiva aproximava-se
cada vez mais da câmera, os espectadores começaram a pensar que seriam
atropelados pela máquina, correndo alucinadamente para fora das dependências do
teatro.
Era o início de uma das evoluções
mais importantes da era pós-revolução
industrial, ainda estranhada pelos olhos
virgens da população ignóbil
da época –
quando falo ignóbil, me refiro ao sentido tecnológico, não cultural.
Durante estes primeiros anos, os
filmes produzidos eram documentais, registrando paisagens e pequenas ações da
natureza. A idéia também fora dos irmãos franceses, que decidiram enviar a
vários lugares do mundo homens portando câmeras, tendo como propósito
registrarem imagens de países diferentes e levá-las para Paris, difundindo,
assim, as diversas culturas mundiais dentro da capital da França. Os
espectadores, então, iam ao cinema para fazerem uma espécie de Viagem pelo Mundo,
conhecendo lugares jamais visitados e que, devido a problemas financeiros ou
quaisquer outros detalhes, não teriam
possibilidade de conhecerem de outra maneira. Via-se ali, então, um grande e
contextual significado para uma invenção ainda pouco desmembrada pela
humanidade.
Com o passar do tempo, talvez por
esgotamento de idéias ou até mesmo pela necessidade de entretenimento, os
filmes começaram a ter como propósito contar histórias. Inicialmente, eram
filmados pequenos esquetes cômicos, cujos cenários eram montados em cima de um
palco, conferindo aos filmes forte cunho teatral.
Porém, a necessidade de evolução,
da procura de um diferencial, levara um outro francês, George Meilés, a definir
uma característica presente no cinema até os dias de hoje: filmando uma idéia
baseada em obra literária de um outro francês (é notável a grande presença da
França na evolução da cultura mundial), Meilés enviou o homem à lua através da
construção de uma nave espacial, em um curta-metragem que fora o precursor da
ficção cinematográfica – estou falando de Viagem à Lua, de 1902.
A partir de então, o mundo do
cinema modificara-se completamente. Histórias com construção narrativa passaram
a ser contadas, fazendo com que os espectadores fossem atraídos por enredos,
personagens e outros elementos inexistentes nas primeiras experiências
cinematográficas.
Era o cinema atingindo ares de
arte, incumbindo em suas engrenagens contextos claramente literários e teatrais
(duas das principais artes da época) e abrindo espaço para que pudesse, anos
após, entrar neste seleto grupo de atividades reconhecidamente artísticas.
Com o advento da narrativa
literária, os filmes passaram a possuir duração mais longa, chegando a ser
produzidos com metragens que continham mais de duas horas. Com isso, fora
desenvolvido um processo de maior complexidade para a construção de uma obra,
fazendo com que os realizadores da época, cansados de criarem produtos baratos,
de onde não obtinham lucro, pensassem no cinema como uma espécie de indústria,
e, nos filmes, como produtos a serem vendidos. O cinema, a partir desde ponto
(que fica localizado em meados da década de 1910), deixava de ser um espetáculo
circense, passando, assim, a levar consigo um grande contexto comercial.
O primeiro filme dito comercial
do cinema, também é um dos definidores da linguagem cinematográfica moderna (e
aqui entra a questão da subjetividade temporal: embora tenha sido definida
ainda nos primeiros 20 anos da arte, já é considerada moderna, em razão de não
possuir nem 100 anos de existência).
O Nascimento de uma Nação, de D.
W. Grifth, delineara as principais características do cinema (que, na época,
ainda era mudo). A forma de se contar uma história, com divisão de atos
(início, meio e fim), o modo de desenvolver a narrativa, tudo fora popularizado
nessa obra que é um marco do cinema, embora seja longa, lenta e bastante
preconceituosa (é um filme produzido sob a ótica sulista norte-americana, ou
seja, ligada aos ideais da Klu Klux Klan, entidade racista que tinha como
objetivo simplesmente eliminar os negros do território americano). Ainda assim,
permanece como um marco inestimável do cinema.
Com o surgimento da Primeira
Guerra Mundial, a Europa passara a produzir cada vez menos filmes, fazendo com
que a produção cinematográfica se concentrasse nos Estados Unidos, mais
precisamente em Hollywood (sim, este é o motivo para o domínio massacro
exercido pelos EUA no mundo do cinema).
Visando a questão corporativista,
diversos estúdios cinematográficos foram criados, construindo estrelas e
elevando nomes ao mais alto patamar de popularidade. A publicidade também
adentrava o mundo artístico, e exerceria grande influência na valorização
popular do cinema: com o intuito de arrecadar fundos, cada estúdio escolhia seu
queridinho,
vendendo ao público a imagem do astro, que,
indubitavelmente, moveria multidões às salas escuras.
Nadando contra essa correnteza
estavam grandes autores da época do cinema mudo, como Charles Chaplin, nos EUA,
os responsáveis pelo movimento cinematográfico alemão intitulado
Expressionismo, Fritz Lang e F. W. Murnau, e o soviético Sergei Eisestein,
grande cineasta e teórico cinematográfico que fizera aquele que, na humilde
opinião da pessoa que vos fala, é o melhor filme deste período, O Encouraçado
Potemkin.
Eisestein fizera deste filme, que
nada mais era do que um produto encomendado pelo governo comunista para
comemorar os 20 anos da revolução bolchevique, o mais revolucionário da era
muda, empregando ao cinema características de cunho social (a história é sobre
um grupo de marinheiros que, cansados dos maus tratos recebidos no navio, fazem
um motim e acabam causando revolução em um porto) e utilizando, pela primeira
vez, pessoas comuns para exercerem função de atores. Era a realidade das ruas
chegando às telas de cinema.
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