O RIO GRANDE DO SUL PRÉ-HISTÓRICO
O perfil geográfico do Rio Grande
do Sul foi formado por sucessivas transformações que iniciaram há cerca de 600
milhões de anos. Esse território já foi um mar, já foi um deserto, e em várias
regiões aconteceram soterramentos massivos por derrames de lava. Crê-se que
somente há dois milhões de anos a geografia se definiu mais ou menos como hoje
a conhecemos, quando se fixou a faixa arenosa do litoral.
Há apenas cerca de 12 mil anos
antes do presente (AP) iniciou a ocupação humana, com a chegada de grupos de
caçadores-coletores vindos do norte. Várias regiões da América do Sul nesta
época já haviam sido povoadas, algumas ao que parece desde alguns milênios
antes, por populações de origem asiática. A tese predominante é que elas tenham
originalmente cruzado o Estreito de Behring, no extremo norte da América do
Norte, que então estava seco por causa de uma glaciação global, migrando em
seguida para o sul, ocupando neste percurso muitos espaços ao longo de
gerações.
Os pioneiros que chegaram ao
território do Rio Grande do Sul encontraram uma região bastante diferente da
que hoje vemos. Em 12 mil anos AP, a glaciação, que cobrira de gelo toda a
Patagônia e esfriara o clima global, começava a regredir, e o clima da região,
mais seco e frio do que no presente, se aquecia e umedecia. No entanto,
provavelmente a neve ainda caía na região todos os invernos. O nível do mar
subia, ao derreter o gelo glacial que se acumulara no mundo, e inundava a
planície litorânea. A vegetação local provavelmente era esparsa, composta principalmente
de savanas, com matas apenas nas terras altas e nas margens dos rios. A fauna
local também era outra, composta de muitas espécies gigantes, como os
milodontes, gliptodontes e toxodontes.
A penetração humana deu-se
aparentemente através da fronteira oeste, ao longo do rio Uruguai, onde o
estado hoje faz divisa com a Argentina e o Uruguai. No município de Alegrete,
localizado nesta área, às margens do rio Ibicuí, foi encontrado o sítio
arqueológico com vestígios humanos mais antigo do estado, cuja datação o situou
com 12 770 anos. Esses primeiros povos, que compartilhavam de uma mesma cultura
material, conhecida como tradição Umbu, viviam da caça e da coleta nas
planícies do pampa, entre seus campos abertos e matas ciliares. Eram nômades, e
devem ter estabelecido acampamentos temporários de acordo com a abundância
sazonal de determinados recursos naturais, seguindo rotas de migração de
animais ou épocas de amadurecimento de vegetais comestíveis.
Deixaram registros relativamente
pobres. Os sítios arqueológicos incluem vestígios de assentamentos, restos de
alimentação como ossos de animais e sementes, além de adornos pessoais e
artefatos líticos como pontas de flecha e lança em pedra lascada, boleadeiras,
cortadores, raspadores e outras ferramentas. Sua cultura predominou por cerca
de 11 mil anos, ainda que exibisse adaptações regionais ao variado cenário do
território, que se compõe de diferentes tipos de ecossistemas. Deve ser
lembrado que as mudanças climáticas que a região atravessou ao longo de milênios
determinaram importantes modificações na composição da flora e da fauna, às
quais as populações humanas precisaram se adaptar, e isso se refletiu em
variações em seus costumes e culturas. Durante o ótimo climático, um período de
importante elevação nas temperaturas globais ocorrido a partir de 6 mil anos
AP, esses povos passaram a colonizar as matas das serras e a subir o planalto.
Aparecem gravuras rupestres e ferramental adaptado ao trabalho com madeira,
especialmente machados bifaciais. Formava-se ali a chamada tradição Humaitá.
Enquanto isso, se completava a
conquista do litoral, formando-se uma cultura específica, a tradição Sambaqui,
adaptada à vida junto ao mar e nas planícies costeiras. São característicos
dessa tradição os depósitos de conchas, carapaças de crustáceos e restos de
peixes que lhe deram o nome, os sambaquis, onde também são encontrados
enterramentos e artefatos indicativos de sua associação com o mar, tais como
anzóis e pesos de redes. Também se encontram indícios de práticas agrícolas
rudimentares, sugerindo que eram sedentários pelo menos em parte do ano. Outras
características que os distinguem são os assentamentos sobre colinas
artificiais baixas, conhecidas como cerritos, formadas em zonas alagadiças da
planície costeira.
Por volta de 3 mil anos AP o
clima esfriou novamente e se estabilizou em uma condição semelhante à do
presente, produzindo novas adaptações na vida selvagem e nas culturas humanas
que floresciam. Nas serras e no planalto, onde o clima permaneceu relativamente
frio, com nevadas e geadas frequentes, os povos da tradição Humaitá, que
colonizaram a área durante o ótimo climático, precisaram se adaptar, aparecendo
então típicos abrigos subterrâneos cobertos de palha, que podiam se organizar
em aldeias com várias unidades.
Pouco mais tarde, coincidindo com
o início da era cristã, chega a segunda grande onda humana a atingir a região,
composta de indígenas Guaranis procedentes da Amazônia. Cogita-se que eles
também devem ter sido impelidos à migração pelas mudanças climáticas globais.
Eles tinham uma desenvolvida cultura agrícola, domesticavam animais e dominavam
a técnica da terracota e da pedra polida. Colonizaram os vales florestados da
depressão central, o litoral e parte das serras, evitando porém as regiões mais
altas e frias, e pouco avançaram sobre o pampa, já que preferiam climas mais
quentes e o ambiente florestal a que estavam acostumados no norte, mas sua
influência cultural foi mais ampla. Seus sítios se distinguem das outras
tradições pela forma dos assentamentos, em aldeias mais estáveis e
estruturadas, e pela abundância de artefatos em pedra polida como pontas de
flecha, machados, maceradores, e vasos em cerâmica de diferentes formatos e
decoração, técnicas que se observa doravante aparecer nos sítios de outros
grupos. A sua influência também se revelou na expansão da agricultura.
Outro grupo a descer do norte
junto com os guaranis foi o dos Jês, de cultura similarmente desenvolvida,
deixando uma marca maior no planalto, onde primeiro influenciaram os povos da
tradição Humaitá e logo os suplantaram.[ Mas quando o Brasil foi
"descoberto", em 1500, quase todos os índios do estado, que somavam
de 100 mil a 150 mil na estimativa dos estudiosos, já eram Guaranis ou estavam
misturados a eles. Os grupos menos afetados por essa invasão foram os Jês do
planalto médio, e os Charruas e Minuanos, do pampa.
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