O DOMÍNIO HOLANDÊS
Paralelamente ao processo da
União Ibérica, os holandeses iniciaram seus esforços para promover a sua
independência em relação ao reino espanhol. O obsessivo esforço de Filipe II em
impor o culto católico à região, marcada pela tolerância religiosa e por uma
considerável presença de protestantes e judeus, contribuiu para a declaração da
independência dos Países Baixos em 1581. Era o início de décadas de conflitos
que apenas seriam encerrados nos acordos do final da Guerra dos Trinta Anos em
1648, quando a Espanha reconheceria definitivamente a separação da região.
Nesse longo caminho, muitos foram os conflitos bélicos e diplomáticos
envolvendo a Espanha e a região da Holanda. Entre as graves questões, inclui-se
a influência holandesa no comércio colonial.
Marcados por desenvolverem um
mercantilismo pouco produtivo, os holandeses se empenhavam no comércio de
produtos oriundos de várias regiões do globo, que, ao serem comercializados,
garantiam a riqueza da região. Com a independência holandesa decretada no nal
do século XVI, os espanhóis iniciaram um claro boicote às práticas holandesas,
prejudicando substancialmente a economia dos Países Baixos. A solução para essa
situação foi a fundação de companhias comerciais que iriam empreender esforços
para tomar as áreas até então controladas pela Espanha. Como exemplo, em 1602,
os holandeses fundaram a Companhia das Índias Orientais, responsável pela
invasão das áreas asiáticas e africanas controladas pelos castelhanos.
O sucesso da empreitada estimulou
a criação da Companhia das Índias Ocidentais em 1621, que seria responsável
pela invasão do Nordeste brasileiro, área também controlada pela Espanha em
virtude da União Ibérica. O boicote espanhol, imposto aos holandeses, à comercialização
do açúcar produzido na América Portuguesa já havia provocado muitos prejuízos
aos holandeses desde o início da União Ibérica. Caberia à Companhia das Índias
Ocidentais, portanto, organizar a ocupação do Brasil para retomar o lucrativo
comércio do açúcar e recuperar investimentos anteriormente realizados na
região.
Foram duas as tentativas de
ocupação do Brasil Colonial por parte dos holandeses. A primeira foi em 1624,
quando estes tentaram ocupar a capital Salvador com 26 navios e aproximadamente
três mil homens chefiados pelo comandante Jacob Willekens. Apesar dos esforços
empreendidos pelos flamengos, a expedição não conseguiu sucesso, sendo os
holandeses rechaçados no ano seguinte, após sucessivas batalhas. Mesmo com o
fracasso, os flamengos continuaram atacando possessões espanholas na América
por cinco anos, chegando a saquear importantes navios carregados de prata
oriunda das regiões coloniais.
Curiosamente, a Companhia das
Índias Ocidentais foi considerada a primeira empresa de capital aberto,
utilizando a venda de ações para os interessados em patrocinar a invasão das
áreas de domínio espanhol. Segundo alguns registros, foram encontradas ações da
Companhia até no reino português. Com todos esses recursos e riquezas
provenientes dos saques, os holandeses invadiram a capitania de Pernambuco em
1630.
A opção pela região se justifica
pelo rico comércio de açúcar, com destaque para as cidades de Olinda e Recife.
Apesar dos grandes esforços empreendidos pelas forças de resistência, os
holandeses conseguiram assumir o controle do território. A pacificação da
região só se consolidou plenamente em 1635, contando, para isso, com o auxílio
de líderes locais, como o mulato Calabar, que se dispuseram a apoiar o projeto
dominador holandês no Nordeste açucareiro.
Fixados na porção mais rica da
colônia portuguesa, caberia aos holandeses fortalecer as atividades produtivas
com o intuito de cumprir o objetivo da ocupação da região. Para essa função,
foi nomeado o conde Maurício de Nassau, que passou a administrar a área de
domínio holandês a partir de 1637.
O controle político exercido por
Nassau na região se notabilizou pela profunda harmonia com os produtores
açucareiros e a relativa tolerância empreendida na administração da região. Por
meio de empréstimos aos senhores de engenho, a atividade canavieira foi
retomada. O abastecimento da região com os escravos negros foi garantido, já
que as praças africanas também haviam sido invadidas pelos holandeses. A
construção de teatros, zoológico, observatório astronômico e obras de
embelezamento arquitetônico transformaram Recife em uma das principais cidades
da América Portuguesa.
A chegada de pintores como Frans
Post e Albert Eckhout permitiu a criação das mais extraordinárias imagens
produzidas no Período Colonial brasileiro, possibilitando melhor compreensão do
universo açucareiro do século XVII.
Além das obras de arte, os
registros científicos feitos por naturalistas como Georg Marcgraf também
contribuíram para a difusão de forma mais clara e realista da fauna e da ora do
Novo Mundo, conferindo um olhar mais próximo da realidade colonial. Maurício de
Nassau também estabeleceu a liberdade de culto, favorecendo a vinda de judeus e
protestantes para a área colonial.
A restrição religiosa só recaiu
sobre os jesuítas, defensores ferrenhos da Igreja Católica e incompatíveis com
o clima de tolerância proposto pelo governo de Nassau. No âmbito político,
foram criadas as Câmaras dos Escabinos, órgão municipal que contava com a
participação dos grandes senhores de engenho.
Enquanto Nassau buscava exercer
seu governo pessoal no nordeste açucareiro, importantes transformações ocorriam
na Europa. Em 1640, a União Ibérica chegava ao m, através da restauração do
trono português com a ascensão da dinastia de Bragança. A resistência espanhola
em aceitar a separação exigiu que o reino luso promovesse acordos diplomáticos
para confirmar a ascensão da nova dinastia. O apoio holandês não foi difícil de
ser obtido, porém, o preço a ser pago foi a assinatura da trégua dos 10 anos,
que permitiu o controle da região nordestina pelos flamengos. Esse novo cenário
garantiu uma exploração do território sem os gastos excessivos empreendidos por
Nassau, que foi afastado do controle da região em 1644.
Apesar de anos mais harmoniosos
favorecidos pelo governante holandês, a resistência ao domínio dos flamengos
nunca desapareceu. Após o afastamento de Nassau, a Companhia das Índias
Ocidentais optou por resgatar os empréstimos concedidos e aumentar o controle
das regiões invadidas, adotando práticas de feição mercantilista, sendo estes
fatores que desencadearam diversos focos de resistência por parte dos
nordestinos. A Insurreição Pernambucana (1645-1654) foi o principal movimento,
conseguindo, depois de muitos conflitos, expulsar os holandeses da rica região açucareira.
O sucesso dos insurretos
nordestinos também foi garantido por dois episódios internacionais. O primeiro
seria a fragilidade dos holandeses, em virtude da intensa guerra empreendida
contra os ingleses por discordarem dos Atos de Navegação de 1651, decretados
pelo ditador Oliver Cromwell. Os Atos definiam que qualquer mercadoria que
entrasse na Inglaterra ou dela saísse deveria ser transportada por navios
ingleses ou de seu país de origem. Essa situação prejudicava substancialmente a
Holanda, já que a nação apresentava uma predileção pelo comércio, em especial,
marítimo.
Em segundo lugar, cabe ressaltar
que o sucesso da Insurreição Pernambucana ocorreu por meio do apoio português
que, rompendo com a trégua dos 10 anos assinada com os flamengos, enviou navios
de guerra ao território colonial. Além de intencionar retomar o controle das
regiões gerenciadas pelos holandeses, o novo governo português temia que a luta
dos pernambucanos pudesse culminar em um processo emancipatório. A vitória
final dos luso-brasileiros ocorreu na conhecida batalha de Campina do Taborda.
O sucesso da Insurreição
Pernambucana estimulou a criação de um sentimento de resistência à opressão que
se manifestou em outras circunstâncias na região nordestina, tanto no Período
Colonial quanto no Imperial. Além disso, o quadro de crise econômica ficou
evidenciado, já que os longos anos de guerra comprometeram a produção
açucareira, que também passou a enfrentar, a partir da segunda metade do século
XVII, a concorrência da região holandesa, da francesa, da espanhola e da
britânica na região do Caribe.
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