A HISTÓRIA DA MEDICINA
PARTE IV
O século XX trouxe a disseminação mundial da medicina científica.
Do Século XX em Diante: Drogas para Tratar Doenças
O ritmo dos avanços médicos se acelerou em todas as frentes a partir
do século XX. Descobertas revolucionárias ocorreram nas áreas de biologia,
química, psicologia, farmacologia e tecnologia, muitas vezes de formas
convergentes ou sobrepostas. Um novo entendimento das doenças trouxe novos
tratamentos e curas para muitas dessas condições. Contudo, ainda que as
epidemias mais mortais tenham sido dominadase,
no caso da varíola, erradicadasnovas doenças
surgiram, como a AIDS.
Durante o século XX, a expectativa de vida aumentou em muitas partes
do mundo. O outro lado da moeda foi o aumento da incidência de doenças
relacionadas ao envelhecimento, sobretudo doenças cardíacas e câncer, e do foco
no tratamento e prevenção dessas doenças. Em uma evolução preocupante, algumas
doenças que pareciam ter sido dominadas por tratamentos medicamentosos, como a
tuberculose, desenvolveram resistência aos medicamentos mais para o fim do
século XX.
Drogas para tratar doenças
No fim do século XX, o estudo de remédios herbáceos, químicos e
minerais (o que era chamado de materia medica), transformou-se na ciência
laboratorial da farmacologia. Drogas fitoterápicas, como o ópio, foram
submetidas a análises químicas sistemáticas. Os pesquisadores então aprenderam
a sintetizar essas drogas. Na virada do século XX, a indústria farmacêutica
estava comercializando produtos de laboratório. Uma empresa chamada Bayer, na
Alemanha, registrou a marca de uma versão sintética do ácido acetilsalicílico,
à qual deu o nome de aspirina.
Um pioneiro no ramo da farmacologia foi o cientista alemão Paul
Ehrlich (1854-1915), queapós
muito esforço e tentativassintetizou o composto à base de
arsênico Salvarsan, o primeiro tratamento
eficaz para a sífilis, em 1909. Assim, Ehrlich,
que cunhou o termo quimioterapia, criou a primeira droga antibiótica.
Uma geração mais tarde outro alemão, Gerhard Domagk (1895-1964), que
trabalhava na Bayer, produziu a primeira sulfa (outro tipo de antibiótico)
utilizável. A droga era usada para tratar doenças estreptocócicas, incluindo a
meningite.
Cientistas também pesquisaram agentes antibióticos biológicos. Os
antigos chineses, egípcios e gregos descobriram que substâncias mofadas eram
eficazes para manter cortes limpos. Pasteur observou uma ação bactericida ao
notar que a adição de bactérias comuns interrompia o crescimento de bacilos
antrazes na urina estéril.
Na década de 20, o escocês Alexander Fleming (1881-1955) encontrou
mofo proliferando em algumas amostras bacterianas em seu laboratório. Na
verdade, o mofo matava as amostras. Ele identificou o mofo como penicillina.
Durante a Segunda Guerra Mundial, uma equipe de cientistas liderada pelo
australiano Howard Florey (1898-1968) aprofundou a pesquisa e testou a nova
droga em soldados feridos. Ela demonstrou ser eficaz contra antraz, tétano e
sífilis, e foi a primeira droga que funcionou contra a pneumonia. Mais ou menos
na mesma época, Selman Waksman (1888-1973), bioquímico americano, isolou outro
fungóide, a estreptomicina, que demonstrou ser eficaz contra a tuberculose. Waksman
cunhou o termo antibiótico para descrever espeficiamente as drogas biológicas.
Várias novas drogas surgiram na década de 50, incluindo a cortisona,
um hormônio esteróide que reduzia a inflamação e suprimia a resposta do sistema
imune.
As primeiras drogas eficazes para o tratamento de doenças mentais
também apareceram nesta época.
Embora os antibióticos não funcionassem contra doenças virais, as
vacinas antivirais funcionavam. Duas das mais importantes foram as vacinas
contra a varíola e a poliomielite. A poliomielite, doença que atinge
principalmente as crianças, causa paralisia. Dois cientistas americanos, Jonas
Salk (1914-95) e Albert Sabin (1906-93), desenvolveram diferentes versões de
uma vacina pólio, que foram apresentadas em meados da década de 50. A vacina de
Salk era feita à base do vírus morto, enquanto a de Sabin era preparada com o
vírus vivo. Ambas foram usadas, com grande sucesso. A pólio foi basicamente
erradicada no final do século XX.
Outras vacinas antivirais incluem aquelas contra sarampo, catapora e
gripe. As vacinas contra o papilomavírus humano (que causa câncer de colo de
útero) e herpes-zóster (doença da família da catapora causada pelo vírus
herpes) surgiu em 2006. As tentativas de se produzir uma vacina contra a
malária e a AIDS até o momento não tiveram sucesso.
A primeira droga antiviral, o aciclovir, surgiu na década de 70 para
ser usada contra algumas formas de herpes. Drogas antiretrovirais foram
desenvolvidas na década de 80 para combater a AIDS (os retrovírus são uma classe
de vírus.) Contudo, os vírus se modificam tão rapidamente que o desenvolvimento
de agentes antivirais (e antiretrovirais) se mostra bastante difícil.
Os pesquisadores já usaram várias abordagens diferentes para o
desenvolvimento de drogas para pacientes. Uma grande revolução para o
tratamento de doenças foi um novo entendimento do sistema imune.
Do Século XX em Diante: Entendendo o Sistema Imune
As vacinas baseiam-se no princípio de que, uma vez exposto a certas
infecções, o corpo humano desenvolve uma imunidade que permite a ele resistir a
infecções quando exposto novamente. A imunização, ou vacinação, cria a mesma
resposta sem expor a pessoa à doença de fato. Como vimos, a prática era comum
na China antiga, e foi introduzida no Ocidente por Edward Jenner. A ciência
básica por trás dela, contudo, só foi compreendida no século XX.
Na década de 1880, o biólogo russo Elie Metchnikoff (1845-1916)
desenvolveu a teoria celular da imunidade. De acordo com ela, os glóbulos
brancos atuam como o que ele chamou de fagócitos (literalmente, comedores de células), detectando e consumindo organismos estranhos e
resíduos dentro do corpo. Menos de duas décadas mais tarde, Paul Ehrlich
argumentou que os principais agentes da imunidade eram os anticorpos, proteínas
produzidas por células e liberadas na corrente sanguínea. No fim, as duas
teorias estavam corretas, mas as enormes complexidades do sistema imune ainda
não foram totalmente elucidadas.
O progresso na imunologia levou à identificação de toda uma classe de
distúrbios chamados de doenças autoimunes. Esse tipo de doença ocorre quando o
corpo humano não consegue reconhecer seus próprios componentes e cria uma
resposta imunológica contra suas próprias células. As doenças autoimunes mais
conhecidas incluem diabetes tipo 1, lúpus, distrofia muscular e artrite
reumatoide.
As pesquisas imunológicas também levaram ao desenvolvimento da
imunoterapia, o uso de drogas para alterar o sistema imune. Como se poderia
esperar, drogas imunossupressoras são usadas para tratar as doenças autoimunes.
Contudo, elas também são fundamentais para o sucesso do transplante de órgãos.
Os primeiros transplantes renais bem-sucedidos ocorreram na década de 50, e o
primeiro transplante cardíaco, em 1967. Contudo, nenhum dos pacientes sobreviveu
por muito tempo, pois seus sistemas imunes rejeitaram os novos órgãos. A
ciclosporina, primeira droga imunossupressora eficaz para essa finalidade, foi
lançada na década de 1980. As drogas imunossupressoras gradualmente
transformaram o transplante de órgãos em um procedimento praticamente
rotineiro.
Hoje em dia em um dos milagres da cirurgia
moderna – praticamente qualquer órgão do corpo humano pode ser transplantado de
uma pessoa para outra. As limitações ficam basicamente por conta da
disponibilidade de órgãos.
A imunoterapia também é uma arma promissora na luta contra alguns
tipos de câncer.
A AIDS, identificada pela primeira vez na década de 80, trouxe a
ciência da imunologia a um novo plano. Causada pelo vírus da imunodeficiência
humana (HIV), a AIDS destrói o sistema imune e, consequentemente, a capacidade
do corpo de resistir a infecções. A princípio a doença foi considerada uma
sentença de morte, mas os tratamentos à base de antirretrovirais podem
atualmente prolongar a vida de pessoas infectadas por muitos anos. No entanto,
a AIDS ainda não tem cura.
O sistema imune é um mistério que está sendo lentamente desvendado por
cientistas e médicos. A genética é outro. No século XX, o entendimento dessa
área altamente complexa se tornou a peça central de um grande número de
pesquisas.
Do Século XX em Diante: A Ascensão da Genética
Muito do progresso nos estudos imunológicos e viraisna verdade, na pesquisa médica
como um tododeveu-se à
genética. Os cientistas agora estudam as células do corpo e os organismos que podem infectá-lo no nível molecular. Perto do fim do século XIX e início do
século XX, estudos bioquímicos e genéticos revelaram muitos dos princípios
básicos do metabolismo das células e o papel dos genes. Em meados do século os
pesquisadores entenderam a estrutura dos genes e como eles estão dispostos
dentro dos cromossomos que os abrigam. No núcleo do cromossomo existe uma longa
molécula, chamada de ácido desoxirribonucléico, mais conhecida como DNA.
Então, em 1953, o bioquímico britânico Francis Crick (19162004) e o biólogo
americano James Watson (1928)
decodificaram a estrutura do DNA. Essa foi uma das maiores revoluções da
ciência. O conhecimento da estrutura permitiu determinar a localização de cada
gene e gradualmente identificar sua finalidade específica. No início do século
XXI, cientistas mapearam a estrutura genética dos seres humanos, conhecida como
genoma humano.
Além de sua importância para os estudos celulares, o desmembramento do
código genético revolucionou a medicina de várias formas. As causas de muitas
doenças podem ser ligadas a cromossomos defeituosos ou a genes específicos dos
cromossomas. Isso, por sua vez, possibilitou a investigação de suscetibilidade
a essas doenças, incluindo fibrose cística, coréia de Huntington e algumas formas
de câncer de mama.
A engenharia genética também possibilitou a criação de novas drogas
derivadas de substâncias químicas naturalmente presentes no corpo. Isso inclui
insulina, interferon, hormônio do crescimento humano e outros hormônios usados
para estimular a produção de células sanguíneas. O maior objetivo da engenharia
genética é a terapia genética direta. Isso envolve a inserção de cópias normais
de genes anormais nas células, normalmente por meio de um vírus. A esperança é
de que a terapia genética ofereça a cura para várias doenças. Até o momento, no
entanto, o progresso tem sido bastante limitado.
Assim como a genética começou a permitir que os médicos vejam o
funcionamento do corpo com o máximo de detalhes, novas tecnologias permitiram
que eles vejam os processos corporais em ação.
Do Século XX em Diante: O Papel da Tecnologia
A medicina moderna e a tecnologia parecem inseparáveis. A descoberta
dos raios X pelo físico alemão Wilhelm Conrad Roentgen (1845-1923) em 1895
possibilitou a observação dos órgãos internos do corpo. Isso facilitou o
diagnóstico de fraturas ósseas, câncer, e outras doenças. Pouco tempo depois,
Willem Einthoven (1860-1927), fisiologista holandês, inventou o primeiro
eletrocardiógrafo. O aparelho registra a atividade elétrica dos músculos do
coração, possibilitando o monitoramento de problemas cardíacos. Em meados do
século, cateterestubos ocos e finos que podem ser
usados para drenar fluidos ou administrar medicamentosforam
inseridos no coração e no fígado.
Muitos dos avanços ocorreram na área de investigação por
imagem, permitindo aos médicos ver os órgãos sem abrir o
corpo. As tecnologias incluem imagens por ultra-som, tomografia
computadorizada, tomografia por emissão de pósitrons (PET) e ressonância
magnética. O diagnóstico, embora ainda seja uma arte, tornou-se também uma
ciência.
Os raios X, evidentemente, são uma forma de radiação, que é nociva ao
organismo. Os radiologistas aprenderam a usar as doses mais baixas possíveis na
investigação por imagens. Eles também aprenderam a usar raios X direcionados e
outras formas de radiação para destruir células indesejadas. Conseqüentemente,
a radiação se tornou um tratamento padrão para o câncer.
Talvez nenhuma outra área tenha sido tão afetada pela tecnologia como
a cirurgia. As várias tecnologias de varredura levaram os cirurgiões às partes
mais profundas do corpo, permitindo cirurgias invasivas radicais. Por outro
lado, endoscópios flexíveis, baseados em tecnologia de fibra óptica, surgiram
na década de 70. Eles permitiram aquilo que chamamos de cirurgia laparoscópica,
na qual o endoscópio, equipado com um laser que corta como um bisturi, é
inserido através de uma minúscula incisão. Esse tipo de cirurgia tornou-se
comum para hérnias, vesículas biliares e rins, e joelhos.
Em meados do século XX foi desenvolvida a máquina coração-pulmão. Ela
fornece um meio artificial de se manter a circulação sanguínea, mantendo o
paciente vivo enquanto o cirurgião opera o coração parado. Essa técnica,
chamada de circulação extracorpórea, tornou as cirurgias cardíacas praticamente
rotineiras, incluindo a substituição de válvulas cardíacas e a revascularização
do miocárdio.
Órgãos artificiais são outra grande invenção do século XX. Embora o
transplante seja o ideal, não há órgãos suficientes para as pessoas que
precisam deles. Os órgãos artificiais podem manter os pacientes vivos enquanto
eles aguardam a cirurgia. O aparelho de diálise renal é um dos exemplos mais
antigos disso. O primeiro rim artificial foi inventado em 1913. A hemodiálise,
feita pela primeira vez pelo cientista holando-americano Willem Kolff (1911-, atualmente prolonga a vida de vários
pacientes com insuficiência renal. Corações artificiais também foram
desenvolvidos. Diferentemente das máquinas de diálise incômodas, estas são na
verdade implantadas no corpo. Durante um tempo houve a esperança de que elas
pudessem ser implantes permanentes, resolvendo assim o problema da falta de
corações verdadeiros para transplante. Contudo, poucos receptores viveram mais
de meio ano. Outros corações artificiais foram desenvolvidos para atuar como
pontes, a fim de manter os pacientes vivos até que um coração de verdade
estivesse disponível.
Grandes esforços foram feitos para o desenvolvimento de próteses que
pudessem substituir membros perdidos. Não muito tempo atrás, os membros
artificiais eram feitos de metal e madeira; o exemplo mais antigo de que se tem
relato é de cerca de 300 a.C. O plástico passou a ser usado em meados do século
XX.
Atualmente, materiais avançados, como fibra de carbono, plásticos e
metais de alta tecnologia, permitem que os pesquisadores criem dispositivos
operados por eletrodos conectados aos músculos. Os membros artificiais mais
avançados são controlados por microchips.
Assim como em várias outras áreas, os computadores têm desempenhado um
papel fundamental nos avanços da medicina moderna. Os computadores são um
componente importante da tecnologia de varredura. Eles operam os aparelhos em
salas de cirurgia e unidades de terapia intensiva. Registros médicos e
prescrições de medicamentos podem agora ser transmitidos em formato eletrônico.
E a ciência por trás das modernas práticas médicas baseia-se em pesquisas que
se valem de computador. O mapeamento do genoma humano teria sido impossível sem
os computadores para montar e analisar a vasta e complexa gama de dados.
Apesar de todos esses avanços, muitas doenças ainda não têm um
tratamento adequado. Embora muitas doenças possam ser prevenidas, há outras que
ainda devastam famílias e comunidades. E muitas pessoas não têm acesso a
atendimento médico adequado para doenças que podem ser curadas ou prevenidas.
Jan van der Crabben
Fonte: www.ancient.eu/www.planetseed.com
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