A REFORMA LUTERANA

A REFORMA LUTERANA

O Sacro Império Germânico, situado em grande parte na região da atual Alemanha, era marcado pela descentralização política. Apesar da existência do imperador, seu poder era limitado pela atuação dos príncipes que compunham a nobreza de origem germânica. Carlos V, da dinastia dos Habsburgo, que também reinava na Espanha, era o imperador e desejava concentrar o controle dos reinos germânicos nas suas mãos no contexto em que ocorreu a Reforma.

Apesar da sua vontade, Carlos V necessitava do consentimento dos demais nobres alemães para intervir diretamente nos assuntos do Sacro Império. Além da descentralização, persistiam, na região, características do Período Medieval, como a servidão em larga escala. Entre outras consequências, a fragmentação política facilitava as interferências da Igreja, que, além de cobrar impostos, era grande proprietária de terras na região. A venda de indulgências também era comum e a influência da Igreja tendia ao crescimento, já que Carlos V possuía fortes ligações com o papado.

Em 1517, a intensificação da venda das indulgências, decretada pelo papa Leão X com o objetivo de construir a Basílica de São Pedro, despertou a indignação do monge agostiniano Martinho Lutero. No mesmo ano, na véspera do dia de Todos os Santos, foram afixadas nas portas da Igreja de Wittenberg, na região da Saxônia, as 95 teses de Lutero que se opunham à venda de indulgências.

O modo como foram tornadas públicas as insatisfações fazia parte de um costume de divulgação de pontos de vista comum naquele período. Além disso, as teses foram escritas em latim, o que significava que teriam leitura restrita. Nas teses, Lutero, além de criticar a venda das indulgências, questionava a autoridade papal para conceder o perdão e defendia que a salvação só poderia ser obtida pela fé.

A reação da Igreja ocorreu em 1520. Por meio de uma bula papal, Lutero foi convocado a renegar suas ideias, sob pena de excomunhão. Ao receber a advertência, Lutero se recusou a acatar as ordens do papa e queimou o documento que havia recebido. Assim, como fora estabelecido pela bula, Lutero foi punido com a excomunhão em 1521. Naquele mesmo ano, a Dieta de Worms, assembleia que contava com a participação dos príncipes do Sacro Império e com a presença de Lutero, foi convocada pelo imperador Carlos V. Na reunião, após reafirmar o teor de suas críticas, Lutero foi obrigado a deixar o território alemão.

Após decretada sua expulsão, Lutero teve o apoio de Frederico da Saxônia e refugiou-se em suas terras. O apoio da nobreza alemã foi fundamental para o sucesso do movimento luterano, mas, é válido ressaltar que os nobres estavam interessados na redução do poderio da Igreja, bem como na apropriação das terras clericais. Enquanto esteve refugiado, Lutero dedicou-se a uma de suas principais realizações: a tradução da Bíblia para o alemão.

Assim como Frederico da Saxônia, outros príncipes colaboraram para a Reforma financiando a divulgação dos princípios luteranos. Isso permitiu que as propostas reformistas circulassem e se fortalecessem em outras regiões do Império. Entre os camponeses, tais ideias também passaram a circular, levando ao surgimento de grupos mais radicais, como o dos anabatistas.

Os anabatistas, que acreditavam que o batismo só deveria ser feito após a vida adulta, possuíam uma visão radical a respeito da Reforma. Liderados por homens como Thomas Munzer, os camponeses se levantaram e promoveram invasões a propriedades da nobreza por todo o Império. No ano de 1524, mais de 300 mil lutaram pelas suas ideias, por acreditarem que:

• Era dever do verdadeiro cristão a realização do reino de Deus na Terra com a partilha de riquezas, mesmo que fosse necessário utilizar a violência. • A Igreja dos Apóstolos (cristianismo primitivo) fora corrompida pela Igreja Católica e pelos príncipes.

Apesar da inspiração luterana, a rebeldia camponesa sofreu a oposição de Lutero, que não tinha como objetivo a realização de uma reforma social. Além disso, o apoio aos camponeses poderia significar a perda do suporte dado pela nobreza. O argumento utilizado para condenar tais movimentos afirmava que o sujeito poderia transformarse a si mesmo, mas não ao mundo – cujo destino depende da insondável vontade divina. Dessa forma, os movimentos camponeses foram duramente reprimidos pela nobreza alemã em um conflito que levou a, aproximadamente, 100 mil mortes entre os trabalhadores rurais.

Lutero sempre havia se mostrado angustiado com a presença do mal e do pecado no mundo terreno. Para ele, o pecado original era marca indelével da vida do homem e não havia possibilidade de redenção para o homem apenas pelas boas obras. Indigno, o homem só poderia alcançar salvação pela fé. Suas preocupações também foram fruto do desenvolvimento do individualismo. A partir dessa perspectiva, a relação direta com Deus e a consequente abolição da hierarquia eclesiástica foram defendidas por Lutero. A defesa da tradução da Bíblia e do culto também foram reflexos do individualismo no campo religioso.

Em 1530, após a grande disseminação das ideias de Lutero, o imperador Carlos V convocou a Dieta de Augsburgo. Nela, foram expostos os principais pontos da doutrina luterana. A Confissão de Augsburgo, escrita com a ajuda de Felipe Melanchton, foi publicada em 1531 e continha as bases do luteranismo que, naquele momento, já se apresentavam sólidas. Os principais pontos da doutrina luterana são:

• salvação pela fé;  • sacerdócio universal e a consequente abolição da  hierarquia eclesiástica;  • tradução e livre interpretação da Bíblia;  • condenação do culto aos santos, às imagens, e às relíquias;  • condenação do celibato clerical;  • existência de apenas dois sacramentos, aqueles citados na Bíblia: batismo e eucaristia; • negação da transubstanciação, ou seja, a transformação do pão e do vinho no corpo e sangue de Cristo durante a eucaristia; • negação da infalibilidade papal.

Os conflitos entre os nobres católicos e os favoráveis a Lutero, chamados de protestantes, se estenderam entre 1530 e 1555. A guerra opunha parte da nobreza, próxima à Igreja Católica e ao imperador Carlos V, aos príncipes protestantes reunidos na Liga de Smalkalde.

Em 1555, pressionado, Carlos V assinou a “Paz de Augsburgo”. Por esse documento, ficou estipulado que cada príncipe poderia definir a doutrina a ser seguida em seus domínios, devendo os seus súditos obedecer ao que fosse determinado. Apesar da trégua estabelecida, os conflitos religiosos voltaram a ocorrer no século XVII, quando as disputas internas levaram à deflagração de um conflito internacional, a Guerra dos Trinta Anos.

 

 

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