HISTÓRIA DA MEDICINA - PARTE 3

A HISTÓRIA DA MEDICINA

PARTE III

A Ascensão da Medicina Científica: O Renascimento

O Renascimento foi um grande período de crescimento intelectual e desenvolvimento artístico na Europa. Como parte dele, os cientistas e pensadores começaram a se descolar das visões tradicionais que regiam a medicina, tanto no oriente quanto no ocidente. O foco dos tratamentos deixou de ser um equilíbrio natural de ordem divina. O conhecimento avançou através do método científico — pela condução de experimentos, coleta de observações, conclusões. As informações eram disseminadas por meio de uma importante nova tecnologia — a impressão. As raízes da medicina científica estavam estabelecidas.

O método científico é aplicado à medicina

Em 1543 Andreas Vesalius (1514-64), professor da Universidade de Pádua, publicou um texto ricamente ilustrado sobre anatomia. Com conhecimentos baseados na extensiva dissecação de cadáveres humanos, ele apresentou a primeira descrição amplamente precisa do corpo humano. Anatomistas posteriores em Pádua incluíram Gabriele Falloppio (1523-62), que descreveu os órgãos reprodutores femininos, dando seu nome às tubas de Falópio, e Girolamo Fabrizio (1537-1619), que identificou as válvulas do coração.

A cirurgia era praticada principalmente por barbeiros, que usavam as mesmas ferramentas para as duas profissões. A cirurgia ainda era um negócio bastante primitivo e extremamente doloroso essa época. A controvérsia continuava em relação ao tratamento de ferimentos — o pus era bom ou ruim? A cauterização, ou queima de um ferimento para fechá-lo, continuou sendo a principal forma de deter hemorragias. A maioria dos cirurgiões adquiriu suas habilidades no campo de batalha, e a introdução de pólvora, armas e canhões tornou o local muito mais desorganizado.

Um cirurgião francês do século XVI, Ambroise Paré (c. 1510-90), começou a colocar um pouco de ordem. Ele traduziu parte do trabalho de Vesalius para o francês a fim de disponibilizar os novos conhecimentos anatômicos para cirurgiões de campos de batalha. Com sua própria e extensa experiência em campos de batalha, ele suturava ferimentos para fechá-los em vez de usar a cauterização para deter o sangramento durante amputações. Ele substituiu o óleo fervente usado para cauterizar ferimentos de armas de fogo por um unguento feito de gema de ovo, óleo de rosas e terebintina. Seus tratamentos não só eram mais eficazes como também muito mais humanos que os utilizados anteriormente.

Outro importante nome dessa época foi Paracelso (1493-1541), alquimista e médico suíço. Ele acreditava que doenças específicas eram causadas por agentes externos específicos e, portanto, exigiam remédios específicos. Ele foi o pioneiro no uso de remédios químicos e minerais, incluindo mercúrio para o tratamento da sífilis. Ele também escreveu aquele que provavelmente é o trabalho mais antigo sobre medicina ocupacional, Sobre os Enjoos dos Mineradores e Outras Doenças de Mineradores(1567), publicado alguns anos depois de sua morte.

A sífilis foi registrada pela primeira vez na Europa em 1494, quando uma epidemia irrompeu entre as tropas francesas que estavam sitiando Nápoles. O fato de o exército francês incluir mercenários espanhóis que haviam participado das expedições de Cristóvão Colombo ao Novo Mundo deu origem à teoria de que a doença era proveniente do continente americano. Se isso for verdade — e o tema continua sendo o centro de calorosas controvérsias — então foi parte de um intercâmbio em que os nativos americanos se deram muito pior. As doenças que os europeus introduziram no hemisfério ocidental incluíram varíola, gripe, sarampo e tifo, que levaram as populações nativas à quase extinção.

Um médico italiano chamado Girolamo Fracastoro (c. 1478-1553) cunhou o nome sífilis, que também era chamada de doença francesa. Ele também propôs uma teoria, adaptada das ideias clássicas, de que doenças contagiosas podem ser espalhadas por minúsculas “sementes ou esporos de doença” capazes de percorrer grandes distâncias (no entanto, ele sabia que a sífilis era transmitida por contato pessoal). Essa teoria foi influente por vários séculos.

Durante o Renascimento, as sementes da mudança foram semeadas na ciência. O conhecimento médico deu grandes saltos durante os dois séculos seguintes.

A Ascensão da Medicina Científica: A Revolução Científica

Durante os séculos XVII e XVIII, o conhecimento médico e científico avançou a passos extraordinários. Muitas das concepções equivocadas de Galen foram finalmente derrubadas. O inglês William Harvey (1578-1657) descreveu com precisão a circulação do sangue no corpo, confirmando os achados de estudiosos anteriores (como Ibn Nafis e europeus mais recentes). Ele acrescentou o achado experimental crítico de que o sangue é “bombeado” para todo o corpo pelo coração.

O trabalho de Harvey foi continuado por outros, incluindo o médico inglês Richard Lower (1631-91). Ele e o filósofo britânico Robert Hooke (1635-1703) conduziram experimentos que mostravam que o sangue pega alguma coisa durante sua passagem pelos pulmões, mudando sua cor para vermelho vivo. [No século XVIII o químico francês Antoine Lavoisier (1743-1794) descobriu o oxigênio. Só então a fisiologia da respiração foi totalmente compreendida.] Lower também realizou as primeiras transfusões de sangue, de animal para animal e de humano a humano.

Hooke e, sobretudo, o biólogo holandês Anton van Leeuwenhoek (1632-1723) usaram um novo aparelho chamado microscópio para descobrir toda a matéria de coisas minúsculas (“microscópicas”): glóbulos vermelhos, bactérias e protozoários. Na Itália, o fisiologista Marcello Malpighi (1628-1694) usou o microscópio para estudar a estrutura do fígado, da pele, dos pulmões, do baço, das glândulas e do cérebro. Várias partes microscópicas do corpo, incluindo uma camada de pele e partes do baço e do rim, receberam nomes em sua homenagem. Malpighi também incentivou a ciência da embriologia com seus estudos em ovos de galinha. Como sempre, houve erros e concepções errôneas. Outro holandês, o médico Nicolaas Hartsoeker (1656-1725), pensou que o microscópio revelava pequenos homens (“homúnculos”) dentro dos espermatozóides no sêmen; assim ele explicou a concepção.

O século XVIII, conhecido como Iluminismo, foi uma era de progresso em vários aspectos. Contudo, o mais interessante é que o desejo de encontrar uma única e abrangente explicação para “a vida, o universo e todas as coisas” não havia desaparecido. Agora, alguns pensadores atribuíam o funcionamento do corpo às leis recém-descobertas da física, ao passo que outros olhavam para as leis da química. Uma abordagem chamada vitalismo propôs a existência de uma anima, ou alma sensível, que regulava o corpo. Outra abordagem encarava as doenças como uma ruptura no tônus do corpo, que, por sua vez, era controlado pelo “éter nervoso” do cérebro.

Explicações simples algumas vezes levaram a tratamentos perigosamente simples. Um médico escocês do século XVIII chamado John Brown (1735–88) decidiu que todas as doenças eram causadas por estimulação excessiva ou deficiente. Portanto, ele prescrevia doses altíssimas de sedativos e estimulantes, causando grandes danos e muita polêmica. A homeopatia, outra filosofia médica abrangente, surgiu mais ou menos na mesma época. Ela afirma que os sintomas de um paciente devem ser tratados com drogas que produzem os mesmos sintomas. As drogas são administradas em quantidades minúsculas, e, portanto, são inofensivas. Embora a abordagem de Brown tenha desaparecido, a homeopatia ainda tem seguidores fervorosos.

Contudo, a ciência médica estava se desenvolvendo rapidamente. Ao anatomista italiano Giovanni Morgagni (1682-1771) foi atribuída a fundação da disciplina de anatomia patológica. Ele demonstrou que doenças específicas estavam localizadas em órgãos específicos. Marie-François Bichat (1771-1802), fisiologista francês, percebeu que as doenças atacavam tecidos, e não órgãos inteiros.

Alguns dos avanços foram no diagnóstico. O inglês Thomas Willis (1621-75) analisou a urina e notou a presença de açúcar na urina de diabéticos. O professor holandês Hermann Boerhaave (1668-1738) começou a usar o termômetro para observar mudanças na temperatura do corpo na prática clínica (a ele também é atribuído o estabelecimento do estilo moderno de ensino clínico na Universidade de Leiden.) O médico austríaco Leopold Auenbrugger (1722-1809) observou a importância de dar tapinhas no peito para detectar fluidos nos pulmões. O francês René-Théophile-Marie-Hyacinthe Laënnec (1781-1826) tornou o processo mais fácil, inventando o estetoscópio. O instrumento, que possibilitou ouvir os órgãos internos, foi a invenção diagnóstica mais importante até que Wilhelm Roentgen descobriu os raios X em 1895. O estetoscópio de Laënnec era um tubo de madeira, semelhante a um dos primeiros modelos de aparelho auditivo. O familiar instrumento moderno com corpo de borracha e dois auriculares foi inventando mais tarde, pelo americano George Camman, em 1852.

Os avanços na terapêutica foram importantes. Thomas Sydenham (1624-89), médico inglês, defendia o uso de casca de cinchona, que continha quinina, para o tratamento da malária. Ele também enfatizou a observação sobre a teoria, reforçando também a importância dos fatores ambientais para a saúde. Um cirurgião naval inglês chamado James Lind (1716-94) provou que as frutas cítricas curam o escorbuto, uma desagradável doença causada pela carência de vitamina C que afetava as tripulações de navios em viagens longas. William Withering (1741-99), botânico e médico da Inglaterra, observou a eficácia de digitalis (da planta dedaleira) no tratamento de distúrbios cardíacos. E um médico britânico, Edward Jenner (1749-1823), desenvolveu a vacina contra a varíola. A vacinação foi tão eficaz que essa doença epidêmica encontra-se atualmente erradicada no mundo todo.

Ainda assim, poucos destes e outros avanços no conhecimento científico e na tecnologia afetaram a prática clínica cotidiana na época. Os principais tratamentos continuaram a ser o “cupping”, a sangria e a purgação. Como recomendado por Paracelso e outros, a sífilis e outras doenças venéreas foram tratadas com doses altas, normalmente fatais, de mercúrio. A teriaga, a famosa receita multi-propósito de Galen, continuou popular. Ainda havia uma lacuna imensa entre a medicina acadêmica e a prática clínica cotidiana. Muitos dos clínicos e seus pacientes simplesmente relutavam em adotar as novas idéias. William Harvey fez uma famosa queixa de que perdeu pacientes após publicar seus achados sobre a circulação do sangue.

A Ascensão da Medicina Científica: O Século XIX

No século XIX a prática médica finalmente começou a mudar. Nessa mesma época, cientistas e médicos fizeram as descobertas que verdadeiramente revolucionaram a medicina. Os aprimoramentos no microscópio possibilitaram estudos mais detalhados dos tecidos, uma área denominada histologia. Isso levou à nova ciência das células, a citologia. Esses estudos abriram caminho para os importantes avanços teóricos e práticos que formaram a base da medicina como a conhecemos atualmente.

Teoria Celular

Robert Hooke observou e nomeou células no início do século XVII, quando viu células vegetais mortas. Van Leeuwenhoek foi o primeiro a observar células vivas em microscópio. No século XIX o trabalho de três cientistas alemães, Theodore Schwann (1810-82), Matthias Jakob Schleiden (1804-81) e, sobretudo, Rudolf Virchow (1821-1902) [links em inglês], levou ao desenvolvimento da teoria celular. Resumidamente, ela afirma que todas as coisas vivas são compostas de células, que as células são a unidade básica de estrutura e função de todas as coisas vivas, e que todas as células são geradas a partir de outras células.

Usando a teoria celular, Virchow foi capaz de explicar processos biológicos como fertilização e crescimento. Ele também demonstrou que alterações nas células causam doenças como câncer. A teoria celular é um dos marcos da medicina moderna.

Teoria Germinal

O outro marco foi o desenvolvimento da teoria germinal. Mesmo no ápice da medicina humoral, havia curandeiros que reconheciam que algumas doenças eram disseminadas por contágio. A menção mais antiga a “criaturas minúsculas” que causam doenças está no Vedas, os textos sagrados do Hinduísmo, que foram escritos entre 1500 e 500 a.C. Avicenna compreendeu que a tuberculose e outras doenças eram contagiosas. Posteriormente, estudiosos muçulmanos atribuíram a praga bubônica a microorganismos. Fracastoro, conforme observado acima, propôs que as doenças eram espalhadas por “sementes.” No entanto, a maioria dos cientistas, em geral, acreditava que os germes que causavam doenças surgiam por meio de geração espontânea, assim como criaturas como moscas, minhocas e outros pequenos animais pareciam surgir espontaneamente de matérias em decomposição. Aristóteles acreditava nisso, e a idéia persistiu no século XIX.

Outra teoria dos gregos continuou com força no século XIX. Essa teoria baseava-se na idéia de que doenças como praga e cólera eram causadas por miasmas de cheiro desagradável, partículas de ar da matéria em decomposição. A teoria de que esse ar era nocivo parecia digna de credibilidade, pois associava doenças a problemas de saneamento, e a importância da higiene foi logo reconhecida. A enfermeira britânica pioneira, Florence Nightingale (1820-1910), que cuidou dos soldados britânicos durante a Guerra da Criméia (1853-1856), acreditava firmemente que os miasmas causavam doenças.

Naquela época, contudo, vários estudos já estavam sendo conduzidos sobre o assunto, e finalmente eles puseram um fim a essas concepções equivocadas. Em 1854 o médico inglês John Snow (1813-58) relacionou a fonte de um surto de cólera em Londres à água contaminada por esgoto. Seu estudo detalhado foi um evento-chave na história tanto da saúde pública quanto da epidemiologia.

Pouco tempo depois, o grande químico francês Louis Pasteur (1822-95) conduziu os experimentos que acabaram por destuir a noção de que a vida poderia ser gerada espontaneamente. Ele demonstrou que existem microorganismos em todo lugar, incluindo no ar. Ele demonstrou ainda que eles eram a fonte do processo químico pelo qual o leite azedava.

O processo desenvolvido por ele para aquecer o leite (e outros líquidos) para matar os micróbios leva seu nome: pasteurização. Quando passou a ser amplamente adotada, a pasteurização fez com que o leite deixasse de ser uma fonte de tuberculose e outras doenças.

Pasteur acreditava firmemente que os microorganismos eram responsáveis por doenças infecciosas em seres humanos e animais e por sua transmissão entre eles. E desenvolveu vacinas eficazes contra o antraz e a raiva coletando tecidos de animais que haviam morrido dessas doenças. Mas foi o trabalho de um médico alemão, Robert Koch (1843-1910), que finalmente validou a teoria germinal da doença. Ele identificou as bactérias específicas que causavam o antraz, a tuberculose e a cólera. Ele desenvolveu um conjunto de regras (postulados de Koch) para determinar conclusivamente se um microorganismo é a fonte de doenças em uma pessoa, ou se está simplesmente presente nela. Assim nasceu a ciência da bacteriologia.

Logo surgiram outros ramos da microbiologia. Descobriu-se que várias doenças tropicais eram causadas por micróbios parasitas, muitos deles espalhados por mosquitos. Entre eles, dois grandes causadores de morte—a malária e a febre amarela. Contudo, a febre amarela, assim como a varíola e a raiva, não pôde ser associada a nenhuma bactéria. Valendo-se dos estudos de um patologista russo, Dmitry Ivanovsky (1864-1920), o cirurgião americano Walter Reed (1851-1902) descobriu em 1901 que a febre amarela era causada por um vírus, algo ainda menor que uma bactéria.

Acreditava-se que os vírus eram invisíveis até a invenção do microscópio eletrônico na década de 40, mas eles acabaram sendo identificados como a causa de inúmeras doenças. Estas incluem não apenas a varíola, mas também a gripe, o resfriado comum, a catapora, a poliomielite e, mais recentemente, a AIDS.

Também acreditava-se que os vírus desepenhavam um papel importante no câncer.

Anestesia e Anti-sépticos. Em meados do século XIX outras descobertas finalmente tornaram as grandes cirurgias práticas. Até então as opções cirúrgicas limitavam-se a operar um paciente acordado, com o risco de infecção após a operação. Na década de 1840 vários dentistas americanos foram pioneiros no uso primeiro de óxido nitroso e depois de éter como anestésicos. Este último foi logo adotado na Europa para fins cirúrgicos, finalmente oferecendo aos cirurgiões tempo para realizar cirurgias delicadas e longas.

Foi mais ou menos nessa mesma época que o médico húngaro Ignaz Semmelweiss estabeleceu que as infecções após o parto provavelmente eram causadas pelas mãos sujas dos médicos nos hospitais. No fim da década de 1860 o cirurgião britânico Joseph Lister (1827-1912), que tinha conhecimento da pesquisa de Pasteur, começou a embeber bandagens e ataduras em ácido carbólico e despejar o ácido sobre as feridas para esterilizá-las. Dessa forma, reduziu enormemente a taxa de mortalidade por gangrena e estabeleceu a cirurgia anti-séptica. Na virada do século XX esperava-se que a sala de cirurgia fosse um ambiente estéril.

 

 

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