O PROCESSO DE EMANCIPAÇÃO NA AMÉRICA ESPANHOLA


 

O PROCESSO DE EMANCIPAÇÃO NA AMÉRICA ESPANHOLA 

No processo de emancipação política da América Espanhola, há algumas peculiaridades e diferenças em relação ao das Treze Colônias e ao do Brasil. No caso das Treze Colônias, o que ocorreu após a Independência foi um processo de expansão territorial. A Marcha para o Oeste estava associada ao ideário do Destino Manifesto, uma crença quase religiosa da missão dos estadunidenses em expandir os valores da democracia e da liberdade. Já no caso brasileiro, houve a manutenção da unidade territorial, se desconsiderarmos pequenas alterações sofridas ao longo do século XIX e início do XX. O processo de Independência da América Latina, mais precisamente da América Espanhola, no entanto, gerou uma grande fragmentação territorial em relação às antigas possessões espanholas, que, já no século XIX, se desmembraram em vários Estados politicamente autônomos. É importante ressaltar que, mesmo dentro de alguns desses Estados, houve sedições políticas, pois, em virtude da disputa do poder entre os caudillos – líderes das independências –, países que haviam conquistado sua emancipação, como a Grã-Colômbia, acabaram sofrendo fragmentações posteriores. Outra reflexão interessante que devemos fazer é a respeito do termo utilizado: emancipação política. A preferência por esse termo, ao contrário de simplesmente independência, tem por objetivo mostrar que, ao conquistar a sua liberdade política, a América Latina não conseguiu se livrar do jugo econômico europeu. O apoio dado pela Inglaterra às Independências acabou por manter laços de domínio econômico, uma vez que as estruturas econômicas e mesmo culturais da região favoreciam a manutenção dessa dependência. Muitos membros das elites coloniais tinham ligações econômicas com a Europa e acreditavam que o Velho Mundo poderia contribuir culturalmente para o desenvolvimento da América, já que grande parte dos membros dessa elite teve sua formação intelectual na Europa. Um dos mais importantes precursores das Independências latino-americanas aconteceu no vicereino de Nova Granada – atual Peru –, onde a mita e a encomienda, tipos de trabalho compulsório indígena, eram utilizadas de forma extensiva nas minas e haciendas. José Gabriel Tupac Amaru, que afirmava ser um descendente dos incas, liderou, em 1780, uma rebelião contra a exploração sofrida pela população indígena e, reunindo índios, mestiços e criollos, chegou a derrubar esses tipos de trabalho compulsório em várias cidades da região. Apesar do sucesso inicial, o movimento acabou fracassando devido a fatores como a inexperiência militar dos rebeldes. Além disso, a elite colonial, que a princípio apoiava o movimento, temendo a radicalização do projeto emancipacionista, passou a facilitar a ação das tropas espanholas na repressão aos rebeldes. Traído, Tupac Amaru foi preso, julgado na cidade de Cuzco e condenado à morte em 1781. É importante ressaltar que, apesar do aparente fracasso do projeto emancipacionista elaborado por Tupac Amaru, através daquele ato, a Espanha pôde perceber, já no século XVIII, que a contestação ao domínio colonial estava em andamento, e que, no caso da América Hispânica, as massas reivindicavam não só maior liberdade, mas também mudanças sociais. Essa rebelião, ocorrida em uma das principais zonas mineradoras da América, assustou não só a elite metropolitana, como também as elites coloniais, que sentiram que seus privilégios sociais estavam sendo ameaçados. Mais tarde, a Revolução de São Domingos (Haiti) mostrou novamente às elites que as camadas exploradas das sociedades americanas estavam se mobilizando. Ocorrido majoritariamente durante o século XIX, o processo de Independência da América Espanhola pode ser dividido em dois momentos. No primeiro momento (1810-1816), as elites coloniais foram bene ciadas pelas guerras napoleônicas, a nal, diante da desordem criada pelo imperador francês, os criollos tomaram frente na política colonial e transformaram os cabildos em juntas governativas, órgãos com maior autonomia política. Ainda assim, nesse primeiro momento, não houve grandes conquistas por parte dos colonos, ou seja, apesar das lutas, a maioria dos países não garantiu a sua emancipação política em relação à Espanha. Tal situação se justifica pelo fato de a Inglaterra – diretamente interessada na Independência da América – estar envolvida nas guerras napoleônicas, o que acabou inviabilizando o apoio daquela importante nação aos movimentos emancipacionistas. Em 1815, Napoleão Bonaparte foi derrotado definitivamente pelas forças conservadoras que, através do Congresso de Viena, reconduziram o rei espanhol Fernando VII ao trono. Devido à sua tendência absolutista, o rei logo se empenhou em reafirmar a sua autoridade política e econômica sobre as colônias instaladas na América. Tal imposição, no entanto, não agradou aos criollos, uma vez que a elite nativa americana não estava disposta a abrir mão da autonomia conquistada. Assim, entre 1816 e 1825, houve um segundo momento emancipacionista, quando a maioria dos países da América conquistou sua autonomia política. Apesar da concretização das Independências, é importante ressaltar que a Espanha, que não concordava em perder seus domínios, passou a reprimir violentamente as lutas de Independência. Os espanhóis contaram ainda com o apoio da Santa Aliança e de países como a França que, através do Congresso de Verona (1822), se dispôs a enviar tropas à América em auxílio aos espanhóis. A vitória dos colonos sobre a Espanha só foi possível por causa da aliança realizada entre as elites coloniais e a Inglaterra, diretamente interessada nas relações comerciais com o continente americano. Tal postura da Coroa inglesa, no entanto, causou uma crise na Quíntupla Aliança (criada durante o Congresso de Viena), uma vez que, desrespeitando o caráter conservador dos aliados, a Inglaterra defendeu os movimentos liberais emancipacionistas nas colônias espanholas da América. A partir de então, os ingleses se desvincularam da Aliança, o que enfraqueceu o movimento conservador na Europa, facilitando a Independência da América Espanhola e abrindo espaço para novos movimentos liberais. Após a Independência, os caudillos, como ficaram conhecidas as lideranças políticas e militares que haviam figurado à frente dos movimentos de Independência, passaram a controlar politicamente as novas nações formadas. O principal desses líderes foi Simón Bolívar, responsável pela Independência de países como Bolívia, Grã-Colômbia, Venezuela e Equador. Bolívar, um dos libertadores da América, defendia o pan-americanismo, através do qual toda a América Espanhola se uni caria em torno de uma confederação. Segundo ele, a união das ex- colônias espanholas seria a melhor saída para viabilizar a formação de uma nação hegemônica no cenário mundial, nação esta que se estenderia da Terra do Fogo, na Argentina, até o Alasca. Em 1826, foi organizado o Congresso do Panamá, quando, com base nas ideias de Simón Bolívar, houve uma tentativa de reunir os chefes políticos dos Estados recém-formados, com o objetivo de manter a unidade do continente. A maioria dos representantes, entretanto, não compareceu, pois os caudillos, que exerciam grande influência nos seus países, não tinham interesse na união desejada por Bolívar. Os participantes do Congresso entraram em divergência também no que se refere ao sistema político ideal para o país a ser formado. Os adeptos de José de San Martín – outro libertador da América – defendiam que o regime republicano, semelhante ao dos Estados Unidos, seria o mais propício ao desenvolvimento econômico da grande nação hispano-americana. Já os adeptos de Simón Bolívar acreditavam que o sistema monárquico seria o mais viável, pois, desde a colonização, a América, em geral, já estava ambientada com os regimes europeus. Assim, em virtude dessas divergências surgidas durante o Congresso, o projeto de formação de uma grande nação americana não foi concretizado. Outro fator fundamental para o fracasso da união da América foi a participação da Inglaterra no processo de emancipação, afinal, os ingleses não desejavam o aparecimento de uma nação forte e poderosa no continente. É importante ressaltar, ainda, que a própria divisão política da América Espanhola, promovida pela metrópole, que não permitia a comunicação entre os vice-reinos e as capitanias gerais, foi responsável pela falta de unidade política. Porém, o elemento mais importante para a fragmentação da América Espanhola foi as diferenças de interesses entre os caudillos, que, após as Independências, passaram a disputar o poder conforme seus interesses. Assim, em vez de ceder parte dos seus poderes ao chefe do grande Estado projetado por Bolívar, os caudillos preferiram manter a sua influência nos Estados que dominavam.

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