A REVOLTA DOS MUCKERS
A Revolta dos Muckers oi um
conflito armado ocorrido entre 1873-74, entre tropas militares e integrantes de
uma comunidade religiosa liderada desde 1869 pelo casal Jacobina Mentz Maurer e
João Jorge Maurer, (também chamado na colônia de Hansjörg Maurer) em São
Leopoldo (atualmente Sapiranga), no Rio Grande do Sul. O cenário da revolta foi
a linha Ferrabraz, abrangendo as atuais localidades de Campo Bom, Lomba Grande
e Novo Hamburgo.
Os muckers eram colonos que
ocupavam o Morro Ferrabrás, na colônia chamada Padre Eterno, Fazenda Leão ou
Leonerhof, no centro do triângulo balizado por Novo Hamburgo, Taquara e
Gramado, área povoada por imigrantes alemães agricultores. Esses colonos, sem
assistência médica, religiosa ou educacional, entraram num processo de
decadência social e empobrecimento. Nesse quadro de abandono, despontaram as
lideranças de João Maurer, um curandeiro a quem os colonos confiavam sua saúde,
e sua esposa, Jacobina, que, na falta de padres e pastores, passou a
interpretar a Bíblia e assim a desfrutar grande credibilidade entre os colonos
— credibilidade que aumentou em decorrência de seus ataques epilépticos,
interpretados por seus seguidores como encontros com Deus. Também desempenhou
um papel importante nos acontecimentos João Jorge Klein, pastor leigo e
professor, cunhado de Jacobina Maurer. No episódio da revolta dos muckers,
tropas do exército foram lançadas numa operação sangrenta, fruto da inabilidade
das autoridades de São Leopoldo e da Província do Rio Grande do Sul. Mais
tarde, em outra comunidade religiosa — Canudos —, a carnificina seria repetida,
em proporções muito maiores.
Os muckers eram uma pequena
comunidade religiosa, de cerca de 150 pessoas, estabelecida ao pé do Morro
Ferrabrás, no até então município de São Leopoldo. O número de simpatizantes,
porém, teria chegado entre 700 e 1000 pessoas, numa colônia com cerca de 14 mil
habitantes. A região era ocupada por imigrantes alemães, que haviam chegado ao
Rio Grande do Sul a partir de 1824. Eram colonos originários da região de
Hunsrück, no sudoeste da Alemanha, onde, na época, predominava uma grande
miséria, em consequência das guerras napoleônicas. O termo mucker geralmente é
traduzido como "santarrão", ou "falso beato", mas Dreher
(2017) considera que a origem pode ser também o verbo alemão
"mucken", relacionado ao zumbido do enxame de abelhas, que poderia
simbolizar as rezas do grupo, significando assim "rezadores". O
próprio grupo, porém, não se autodenominou de nenhuma forma. Nas documentações
oficiais, a denominação mucker só aparece uma vez, sendo em geral chamados de
Mauristas ou Maurersekte (Seita dos Maurer).
A família de Jacobina já tinha um
histórico de envolvimento em contendas religiosas na Alemanha. Os avós haviam
emigrado para o Brasil, fugindo de perseguições religiosas. Ambos haviam
deixado a igreja evangélica e a escola, estabelecendo uma comunidade religiosa
independente com mais seis ou sete famílias, o que culminou na sua perseguição.
Na Alemanha os membros dessa dissidência, que manteve-se por vários anos, era
conhecida como pietista. Em 1824, entre os primeiros imigrantes alemães que
chegaram ao Brasil, estavam os avós de Jacobina. O grupo foi recebido pelo
imperador Dom Pedro I e pela imperatriz Leopoldina. Em seu encontro com a
imperatriz, Libório Mentz, o avô de Jacobina, confidenciou-lhe que viera para o
Brasil fugindo da repressão religiosa na Alemanha. Em resposta, a imperatriz
garantiu-lhe que, no Brasil, eles teriam garantida a liberdade de culto.
Em 1866, após se casar com João
Maurer, a fama de Jacobina começou a crescer. A comunidade se organizou em
volta do casal de agricultores Jacobina Mentz Maurer e João Jorge Maurer. João
Jorge era também carpinteiro e curandeiro, atividade auxiliada por Jacobina que
reunia os pacientes em cultos domésticos onde eram feitas leituras e
interpretações da Bíblia.
Os seguidores dos Maurer seguiam
regras rígidas, tais como: não fumar, não beber e não ir às festas. Além disso,
eles começaram a tirar seus filhos das escolas comunitárias. Tudo isso gerou
desconfiança e rejeição, por parte dos demais colonos, aos seguidores do
casal.[6] Passaram a ser acusados de separatismo por se afastarem da igreja e
da comunidade, professando uma variação mais ortodoxa da fé cristã que lembrava
o pietismo dos avós em vez do alinhamento aos pastores luteranos ordenados e os
padres jesuítas. Para Dreher (2017), o movimento mucker é uma reação a uma nova
igreja que está se formando com a chegada de pastores vindos de universidades
influenciados pelas mudanças que a Europa vivia em contraposição ao
cristianismo leigo que marcara as primeiras décadas da imigração alemã.
As crianças até 13 anos de idade
representavam 30% dos adeptos; os adultos entre 33 e 47 anos eram 26% e formavam
a liderença do grupo. 70% dos muckers adultos eram casados e 9% eram idosos com
mais de 58 anos. Todos os muckers eram de origem alemã, mas 64% já eram
nascidos no Brasil e, destes, 94% eram descendentes de famílias antigas, que
haviam chegado ao país antes de 1830. Entre os 36% nascidos na Alemanha, mais
da metade deles chegou ao Brasil quando ainda eram crianças.
A maioria dos muckers só falava
alemão; 57,3% eram analfabetos e 23,5% semianalfabetos (incluindo a própria
Jacobina). Apenas 42,5% dos muckers eram proprietários dos seus próprios lotes
e a maioria trabalhava em terras de parentes ou de terceiros. Quanto à
profissão, 69% dos homens adultos eram lavradores, 13% eram artesões-lavradores
e 11% eram artesões. No que concerne à religião, 85% dos muckers eram
protestantes, sendo que 55% da população de São Leopoldo pertencia a essa
religião. Os seguidores de Maurer, aliás, não consideravam ter optado por outra
religião, nem Jacobina a fundadora de uma nova crença, mas afirmavam professar
a religião evangélica.
Em maio de 1873, alguns colonos
queixaram-se à polícia sobre os mucker, o que levou a abertura de um inquérito
policial. João Jorge Maurer acabou preso por 45 dias, tendo de assinar um termo
concordando em não realizar mais reuniões em sua casa. Jacobina, no mesmo
período, foi internada na Santa Casa de Porto Alegre para exames. Nos
depoimentos, o casal Maurer é considerado incapaz de comandar o grupo,
levantando suspeitas sobre João Jorge Klein, cunhado de Jacobina, que seria o
mentor. Em novembro do mesmo ano, 32 frequentadores da casa dos Maurer foram
presos sem acusação formal, após um atentado contra o inspetor de quarteirão
João Lehn, responsável por fiscalizar o cumprimento do termo de João Maurer,
que acabou preso por violá-lo. Dois outros homens foram presos, suspeitos de
realizar o atentado e um terceiro perdeu a guarda de um órfão. Este menino
acabou sendo assassinado em abril de 1874, na casa de seu novo tutor. Os dois
homens encapuzados que teriam praticado o crime não foram identificados, mesmo
assim foram acusados o antigo tutor e um companheiro seu, que posteriormente
foi preso e levado a julgamento.
Em seguida, a casa de Martinho
Kassel, um ex-seguidor do casal, foi incendiada, tendo seus filhos e sua mulher
morrido no desastre. O crime foi ligado aos mucker. Nos dias 25 e 26 de junho,
sete casas, galpões e vendas foram incendiados por seguidores de Maurer.
Opositores à seita foram assassinados. Também seguidores tiveram suas casas
saqueadas e queimadas. Ao escurecer de 28 de junho de 1874, o coronel Genuíno
ordenou um ataque sobre a casa dos Maurer esperando obter sua prisão. Mas ele
teve uma surpresa. Os muckers entrincheirados em troncos de árvores e
depressões de terreno que conheciam muito bem, reagiram violentamente ao custo
de 4 mortos e 30 feridos. Sendo noite, o coronel Genuíno ordenou um retraimento
para 10 quilômetros à retaguarda, na atual Campo Bom.
Decorrido 21 dias, em 19 de julho
de 1874, o coronel Genuíno, com reforços recebidos, inclusive 150 colonos
alemães voluntários, atacou novamente e incendiou o reduto dos muckers — a casa
do casal Maurer. No ataque, morreram 12 homens e 8 mulheres muckers. Foram
presos 6 homens e 36 mulheres.
Cerca de 17 muckers se retiraram
para outro reduto. Eles constituíam parte das lideranças mais expressivas. Para
o coronel Genuíno, a vitória parecia ter sido completa.
Ao amanhecer de 20 de julho de 1874, o acampamento das tropas governistas é atingindo por tiros de tocaia, disparados de mato próximo, seguindo-se cerrado tiroteio. O coronel Genuíno tem um tiro uma artéria da coxa atingida por um tiro, vindo a perecer, após esvair-se em sangue, sem socorro do médico, que se deslocara para São Leopoldo com os outros feridos.
Após os combates do dia 21, as
tropas militares refluem para Campo Bom. O coronel César Augusto assume o
comando. Em 21 de julho de 1874, um novo ataque ao reduto dos muckers é
repelido, com 5 mortos e 6 feridos do Exército. Quatro dias depois, no dia 25,
a força civil composta de colonos de Sapiranga, Taquara, Dois Irmãos e outras
localidades, tentaram, sem êxito, um ataque ao reduto mucker. Foi aí que o
capitão Francisco Clementino Santiago Dantas, que participara dos ataques
iniciais ao lado do coronel Genuínoofereceu-se ao Presidente da Província para
comandar o ataque final.
Em 2 de agosto de 1874, decorrido
35 dias do início das operações, o capitão Santiago Dantas atacou o último
reduto dos muckers, após uma delação de prisioneiros. No renhido combate,
pereceram 17 deles, dos quais 13 homem e 4 mulheres, entre elas Jacobina
Maurer. João Maurer fugiu e nunca foi encontrado.
Os muckers presos antes e durante
a luta, após processo em que foram condenados, apelaram e foram libertados em
1883. Os muckers sobreviventes, para fugir às perseguições dos habitantes do
lugar, mudaram-se para a Terra dos Bastos, em Lajeado. Lá, no Natal de 1898,
foram atacados e chacinados por colonos da Picada May, por acreditarem terem
sido eles os assassinos da senhora Schroeder. Mas foi o marido que a matara
para se casar com outra mulher. A verdade só veio à luz depois do linchamento
dos muckers remanescentes, todos inocentes. Também na Fazenda Pirajá, em Nova
Petrópolis, houve perseguição e violências contra colonos identificados com o
movimento mucker.
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