OS ANTECEDENTES DA GUERRA DOS
FARRAPOS
A justificativa original para a
revolta baseia-se no conflito político entre os liberais, que propugnavam o
modelo de estado com maior autonomia às províncias, e o modelo imposto pela constituição
de 1824, de caráter unitário.
O movimento também encontrou
forças na posição secundária, tanto econômica como política, que a Província de
São Pedro do Rio Grande ocupava no Brasil, nos anos que se sucederam à
Independência. Diferentemente de outras províncias, cuja produção de gêneros
primários se voltava para o mercado externo, como o açúcar e o café, a do Rio
Grande do Sul produzia principalmente para o mercado interno. Seus principais
produtos eram o charque e o couro, altamente tributados. As charqueadas
produziam para a alimentação dos escravos africanos, indo em grande quantidade
para abastecer a atividade mineradora nas Minas Gerais, para as plantações de
cana-de-açúcar e para a região sudeste, onde se iniciava a cafeicultura.[6] A
região, desse modo, encontrava-se muito dependente do mercado brasileiro de
charque, que com o câmbio supervalorizado, e benefícios tarifários, podia
importar o produto por custo mais baixo. Além disso, instalava-se nas
Províncias Unidas do Rio da Prata uma forte indústria saladeiril, e que, junto
com os saladeros do Uruguai, competiria pela compra de gado da região, pondo em
risco a viabilidade econômica das charqueadas sul-rio-grandenses.
Consequentemente, o charque rio-grandense tinha preço maior do que o similar
oriundo da Argentina e do Uruguai, uma queixa que era feita pelos
rio-grandenses desde pelo menos 1804. A tributação da concorrência externa era
uma exigência dos estancieiros e charqueadores.Porém essa tributação não era do
interesse dos principais compradores brasileiros, pois veriam reduzida sua
lucratividade em razão do maior dispêndio na manutenção dos escravos.
Há que considerar, ainda, que o
Rio Grande do Sul era região fronteiriça aos domínios hispânicos situados na
região platina. Devido às disputas territoriais nessa área, nunca fora uma
Capitania Hereditária no período colonial e, sim, parte de seu território,
desde o século XVII ocupado por um sistema de concessão de terras e poder a
chefes militares. O poder dos estancieiros era exercido muitas vezes na defesa
de seus próprios interesses privados e entrava frequentemente em choque com a
autoridade dos comandantes militares, representantes da Coroa. Porém, a
importância do estancieiro-soldado era tamanha que a Coroa transigia, fazendo
vista grossa às arbitrariedades, dando uma dose de autonomia ao poder local. Na
então recente e desastrosa Guerra da Cisplatina, que culminou com a perda da
área territorial do Uruguai, anteriormente anexada ao Brasil, o comando geral,
apesar dos inúmeros candidatos locais qualificados, foi dado ao Marquês de
Barbacena, oriundo da corte imperial, despreparado para o cargo e
responsabilizado pela derrota.
Os contatos frequentes, inclusive
propriedades e negócios do outro lado da fronteira, mostraram aos caudilhos locais
as vantagens de uma república, com suas bandeiras de igualdade, liberdade e
fraternidade trazidas da Revolução Francesa. Além disso a imposição de
presidentes provinciais por parte do governo imperial ia contra o
direcionamento político da Assembleia Legislativa Provincial do Rio Grande do
Sul, criando mais um motivo de desagrado da elite regional.
Também é preciso citar o conflito
ideológico presente no Rio Grande do Sul, que havia sofrido diversas tentativas
menores de criação de uma república, iniciando com as tentativas insanas de
Alexandre Luís de Queirós e Vasconcelos, que proclamou a república três vezes
no início do século XIX, ou a Sedição de 1830, que visava a substituir a
monarquia pela república em Porto Alegre e que teve a participação de diversos
imigrantes alemães (Otto Heise, Samuel Gottfried Kerst e Gaspar Stephanousky),
mas foi prontamente sufocada.
O descontentamento reinante na
província foi objeto de diversas reuniões governamentais, especialmente a
partir de 1831, quando começam a circular insistentes boatos sobre a separação
da província visando a unir-se ao Estado Oriental, também preocupados com
informações de que, na fronteira, se pregava a revolução, sendo prometida a
liberdade aos escravos. No Uruguai vivia refugiado o padre Caldas,
revolucionário da confederação do Equador, que mantinha um jornal de ideias
republicanas, além de animada correspondência com os comandantes da fronteira,
incluindo Bento Gonçalves.
O conflito ideológico foi
exacerbado com a criação da Sociedade Militar,no Rio de Janeiro, um clube com
simpatia pelo Império e fomentador da restauração de D. Pedro I no trono
brasileiro. Um dos seus líderes foi o Conde de Rio Pardo, que ao chegar a Porto
Alegre em outubro de 1833, fundou ali uma filial. Os estancieiros rio-grandenses
não viam com bons olhos a Sociedade Militar e pediam que o governo provincial a
colocasse na ilegalidade. Entre os protestos eclodiu uma rebelião popular,
liderada pelos majores José Mariano de Matos e João Manuel de Lima e Silva que
foi logo abafada e seus líderes punidos.
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