ANTROPOLOGIA
Embora a grande maioria dos
autores concorde que a antropologia se tenha definido enquanto disciplina só
depois da revolução iluminista, a partir de um debate mais claro acerca de
objeto e método, as origens do saber antropológico remontam à Antiguidade
Clássica, atravessando séculos. Enquanto o ser humano pensou sobre si mesmo e
sobre sua relação com o "outro", pensou antropologicamente. A
Antropologia é o estudo do ser humano como ser biológico, social e cultural.
Sendo cada uma destas dimensões por si só muito ampla, o conhecimento
antropológico geralmente é organizado em áreas que indicam uma escolha prévia
de certos aspectos a serem privilegiados como a “antropologia física ou
biológica” (aspectos genéticos e biológicos do ser humano), “antropologia
social” (organização social e política, parentesco, instituições sociais),
“antropologia cultural” (sistemas simbólicos, religião, comportamento) e
“arqueologia” (condições de existência dos grupos humanos desaparecidos). Além
disso podemos utilizar termos como antropologia, etnologia e etnografia para
distinguir diferentes níveis de análise ou tradições acadêmicas.
Para o antropólogo Claude Lévi-Strauss, a etnografia corresponde “aos primeiros estágios da pesquisa: observação e descrição, trabalho de campo”. A etnologia, com relação à etnografia, seria “um primeiro passo em direção à síntese” e a antropologia, “uma segunda e última etapa da síntese, tomando por base as conclusões da etnografia e da etnologia”.
Qualquer que seja a definição
adotada, é possível entender a antropologia como uma forma de conhecimento
sobre a diversidade cultural, isto é, a busca de respostas para entendermos o
que somos a partir do espelho fornecido pelo “outro”; uma maneira de se situar
na fronteira de vários mundos sociais e culturais, abrindo janelas entre eles,
através das quais podemos alargar nossas possibilidades de sentir, agir e
refletir sobre o que, afinal de contas, nos torna seres singulares, humanos.
Homero, Hesíodo e os filósofos
pré-socráticos já se questionavam a respeito do impacto das relações sociais
sobre o comportamento humano; ou vendo este impacto como consequência dos
caprichos dos deuses, como enumera a Odisseia de Homero e a Teogonia de
Hesíodo, ou como construções racionais, valorizando muito mais a apreensão da
realidade no dia a dia da experiência humana, como preferiam os filósofos
pré-socráticos. Foi, sem dúvida, na Antiguidade Clássica que a "medida
Humana" se evidenciou como centro da discussão acerca do mundo. Os gregos
deixaram inúmeros registros e relatos acerca de culturas diferentes das suas,
assim como os chineses e os romanos. Nestes textos nascia, por assim dizer, a
antropologia, e no século V a.C. um exemplo disto se revela na obra de
Heródoto, que descreveu minuciosamente as culturas com as quais seu povo se
relacionava. Da contribuição grega fazem parte também as obras de Aristóteles (acerca
das cidades gregas) e as de Xenofonte (a respeito da Índia).
Entre os romanos merece destaque o poeta Lucrécio, que tentou investigar as origens da religião, das artes e se ocupou da discurso. Outro romano, Tácito analisou a vida das tribos germânicas, baseando-se nos relatos dos soldados e viajantes. Salienta o vigor dos germanos em contraste com os romanos da sua época. Agostinho de Hipona, um dos pilares teológicos do catolicismo, descreveu as civilizações greco-romanas "pagãs", vistas como moralmente inferiores às sociedades cristianizadas. Em sua obra já discutia, de maneira pouco elaborada, a possibilidade do "tabu do incesto" funcionar como norma social, garantia da coesão da sociedade. É importante salientar que Agostinho, no entanto, privilegiou explicações sobrenaturais para a vida sociocultural.
Embora não existisse como disciplina específica, o saber antropológico participou das discussões da filosofia, ao longo dos séculos. Durante a Idade Média muitos escritos contribuíram para a formação de um pensamento racional, aplicado ao estudo da experiência humana, como fez o administrador francês Jean Bodin, estudioso dos costumes dos povos conquistados, que buscava, em sua análise, explicações para as dificuldades que os franceses tinham em administrar esses povos. Com o advento do movimento iluminista, este saber foi estruturado em dois núcleos analíticos: a antropologia física (ou biológica), de modo geral considerada ciência natural, e a antropologia cultural, classificada como ciência social.
Até o século XVIII, o saber
antropológico esteve presente na contribuição dos cronistas, viajantes,
soldados, missionários e comerciantes que discutiam, em relação aos povos que
conheciam, a maneira como estes viviam a sua condição humana, cultivavam seus
hábitos, normas, características, interpretavam os seus mitos, os seus rituais,
a sua linguagem. Só no século XVIII, a Antropologia adquire a categoria de
ciência, partindo das classificações de Carlos Lineu e tendo como objeto a
análise das "raças humanas".
O legado desta época foram os textos que descreviam as terras (a fauna, a flora, a topografia) e os povos "descobertos" (hábitos e crenças). Algumas obras que falavam dos indígenas brasileiros, por exemplo, foram: a carta de Pero Vaz de Caminha ("Carta do Descobrimento do Brasil"), os relatos de Hans Staden, "Duas Viagens ao Brasil", os registros de Jean de Léry, a "Viagem a Terra do Brasil", e a obra de Jean-Baptiste Debret, a "Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. Além destas, outras obras falavam ainda das terras recém-descobertas, como a carta de Cristóvão Colombo aos Reis Católicos. Toda esta produção escrita levantou uma grande polémica acerca dos indígenas. A contribuição dos missionários jesuítas na América (como Bartolomeu de las Casas e Padre Acosta) ajudaram a desenvolver a denominada "teoria do bom selvagem", que via os índios como detentores de uma natureza moral pura, modelo que devia ser assimilado pelos ocidentais. Esta teoria defendia a ideia de que cultura mais próxima do estado "natural" serviria de remédio aos males da civilização.
No século XIX, por volta de 1840,
Boucher de Perthes utiliza o termo homem pré-histórico para discutir como seria
sua vida cotidiana, a partir de achados arqueológicos, como utensílios de
pedra, cuja idade se estimava bastante remota. Posteriormente, em 1865, John
Lubbock reavaliou numerosos dados acerca da Cultura da Idade da Pedra e
compilou uma classificação em que enumerava as diferenças culturais entre o
Paleolítico e Neolítico.
Com a publicação de dois livros, A Origem das Espécies, em 1859, e A descendência do homem, em 1871, Charles Darwin principia a sistematização da teoria evolucionista. Partindo da discussão trazida à tona por estes pesquisadores, nascia a antropologia física ou biológica.
Marcada pela discussão
evolucionista, a antropologia do século XIX privilegiou o darwinismo social,
que considerava a sociedade europeia da época como o apogeu de um processo
evolucionário, em que as sociedades aborígines eram tidas como exemplares "mais
primitivos". Esta visão usava o conceito de "civilização" para
classificar, julgar e, posteriormente, justificar o domínio de outros povos.[5]
Esta maneira de ver o mundo a partir do conceito civilizacional de superior,
ignorando as diferenças em relação aos povos tidos como inferiores, recebe o
nome de etnocentrismo. É a visão etnocêntrica, o conceito europeu do homem que
se atribui o valor de "civilizado", fazendo crer que os outros povos
como os das ilhas da Oceania, estavam "situados fora da história e da
cultura". Esta afirmação está muito presente nos escritos de Pauw e Hegel.
Com fundamento nestas concepções,
as primeiras grandes obras da antropologia consideravam, por exemplo, o
indígena das sociedades não europeias como o primitivo, o antecessor do homem
civilizado: afirmando e qualificando o saber antropológico como disciplina,
centrando o debate no modo como as formas mais simples de organização social
teriam evoluído, de acordo com essa linha teórica essas sociedades caminhariam
para formas mais complexas como as da sociedade europeia.
Nesta forma de apreender a experiência humana, todas as sociedades, mesmo as desconhecidas, progrediriam em ritmos diferentes, seguindo uma linha evolutiva. Isso balizou a ideia de que a demanda colonial seria "civilizatória", pois levaria os povos ditos "primitivos" ao "progresso tecnológico-científico" das sociedades tidas como "civilizadas". Há que ver estes equívocos como parte da visão de mundo que pretendiam estabelecer as diretrizes de uma lei universal de desenvolvimento.
Mas não se pode generalizar e
atribuir as características acima a todos os autores que se aparentaram a essa
corrente. Durkheim, por exemplo, procurou nas manifestações totêmicas dos
nativos australianos a forma mais simples e elementar de religiosidade, mas não
com o pensamento enquadrado numa linha evolutiva cega: se nossa sociedade era
dita mais complexa, ele atribuía isso às diversas tendências da modernidade de
que somos fruto, e a dificuldade de determinar uma tendência pura na nossa religião,
escamoteada por milhares de anos de teologia.
O método concentrava-se numa
incansável comparação de dados, retirados das sociedades e de seus contextos
sociais, classificados de acordo com o tipo (religioso, de parentesco, etc),
determinado pelo pesquisador, dados que lhe serviriam para comparar as
sociedades entre si, fixando-as num estágio específico, inscrevendo estas
experiências numa abordagem linear, diacrônica, de modo a que todo costume
representasse uma etapa numa escala evolutiva, como se o próprio costume
tivesse a finalidade de auxiliar esta evolução. Entendiam os evolucionistas
que os costumes se demarcavam como substância, como finalidade, origem,
individualidade e não como um elemento do tecido social, interdependente de seu
contexto.
Vale ressaltar que apesar da
maior parte dos evolucionistas terem trabalhado em gabinetes, tais como Edward
Tylor e James Frazer um dos mais conhecidos pensadores dessa corrente, Lewis
Henry Morgan, tinha contato com diversas tribos do norte dos Estados Unidos. Seria exagerado creditar a autores dessa corrente compilações cega das culturas
humanas, isso seria uma simplificação enorme, ao mesmo tempo que se deixaria de
aproveitar esses estudos clássicos da antropologia.
A antropologia difusionista
reagiu ao evolucionismo e foi sua contemporânea. Valorizava a compreensão
natural da cultura, em termos de origem e extensão, de uma sociedade a outra.
Para os difusionistas, o empréstimo cultural seria um mecanismo fundamental de
evolução cultural. O difusionismo acreditava que as diferenças e semelhanças
culturais eram consequência da tendência humana para imitar e a absorver traços
culturais, como se a humanidade possuísse uma "unidade psíquica", tal
como defendia Adolf Bastian e outros intelectuais como Friedrich Ratzel,
Grafton Elliot Smith, William James Perry, William H. R. Rivers, Fritz Graebner
e Fr. Wilhelm Schmidt, fundador da revista Anthropos.
Com Émile Durkheim começam os
fenômenos sociais a serem definidos como objetos de investigação sócio-antropológica
e, a partir da análise da publicação do livro As Regras do Método Sociológico,
em 1895, começa-se a pensar que os fatos sociais seriam muito mais complexos do
que se pretendia até então. No final do século XIX, juntamente com Marcel Mauss,
Durkheim se debruça nas representações primitivas, estudo que culminará na obra
"Algumas formas primitivas de classificação", publicada em 1901 e,
mais tarde, no livro As formas elementares da vida religiosa, publicado em
1912. Inaugura-se então a denominada "linhagem francesa" na
Antropologia.
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