PERÍODO JOANINO
No início do século XIX, os
Estados Nacionais da Europa assistiam à expansão das ideias liberais por meio
das revoluções burguesas. No centro desse processo, encontravase a França, que,
a partir do ano de 1799, estava sob a liderança de Napoleão Bonaparte,
responsável por consolidar os valores burgueses no período posterior à
Revolução. Com o objetivo de fortalecer as atividades comerciais da França,
Napoleão proibiu as nações do continente europeu de realizarem quaisquer
atividades comerciais com a Inglaterra, inimiga histórica. Esse fato, ocorrido
no ano de 1806, ficou conhecido como bloqueio Continental.
Como muitas nações tinham suas
economias ligadas à Inglaterra, tornava-se difícil obedecer às determinações de
Napoleão. Entre esses países, estava Portugal, que carecia de manufaturas e
dependia dos produtos industriais britânicos. Assim, os lusos se encontravam em
uma delicada situação diplomática: se mantivessem os vínculos econômicos com os
ingleses, poderiam ver seu país invadido pela França. Ao mesmo tempo, a
Inglaterra pressionava para a manutenção das práticas comerciais, visto que os
dois países eram tradicionalmente aliados.
Com o objetivo de manter o
mercado, a Inglaterra passou a pressionar a Coroa portuguesa para que ela não
aderisse ao Bloqueio Continental, refugiando-se no Brasil em caso de uma
invasão francesa. Essa ideia, que já era defendida pela Coroa portuguesa desde
o século XVIII, passou a ser encorajada pelo habilidoso diplomata inglês
Strangford, que tentava convencer o príncipe regente Dom João da necessidade do
deslocamento da Corte para a colônia.
A dúvida de Dom João quanto à
vinda para o Brasil foi sanada quando as tropas francesas e espanholas entraram
em solo português logo após assinarem o Acordo de Fontainebleau (entre França e
Espanha), que estabelecia, além da ocupação de Portugal, a derrubada do governo
de Bragança e o desmembramento do reino e de suas colônias.
Restava à Corte, sediada em Lisboa,
a fuga para o Rio de Janeiro em 1807, iniciando a ruptura necessária que
levaria à Independência do Brasil. Esse período histórico ficou conhecido como
Período Joanino, já que o Brasil foi governado pelo príncipe Dom João.
Ao chegar ao Brasil, a Corte
portuguesa deixou a população colonial completamente atordoada, afinal, em um
momento inesperado, o príncipe regente português e parcela da nobreza lusitana,
em um total aproximado de 15 mil pessoas, estavam no Rio de Janeiro para car
por tempo indeterminado. Entre as primeiras ações de D. João no Brasil,
destaca-se a Abertura dos Portos. Esse decreto, assinado em 1808, estabelecia a
liberação do comércio colonial a qualquer nação amiga de Portugal,
beneficiando, diretamente, a Inglaterra, que passou a vender seus produtos à
numerosa Corte sediada no Brasil.
Porém, o significado da Abertura
dos Portos às nações amigas é muito mais amplo. No momento em que o príncipe
regente permitia ao Brasil o livre-comércio, ele estava estabelecendo o m da
exclusividade metropolitana portuguesa, base das relações econômicas entre
Brasil e Portugal, e iniciando o processo de introdução do liberalismo
econômico no Brasil, mesmo que de forma rudimentar. A medida de 1808 significou
o início do processo de Independência da principal colônia portuguesa, já que o
controle econômico da metrópole havia se encerrado.
A certeza da importância da
Abertura dos Portos para a formação de uma colônia independente era
compartilhada até por Dom João, que, ao assinar o decreto, estabeleceu que este
seria provisório, enquanto houvesse interesse da Corte portuguesa no Rio de
Janeiro. Porém, o processo histórico nos mostra que o decreto de 1808 foi o
início da emancipação brasileira, completada no ano de 1822, por meio da
ruptura política.
Além da Abertura dos Portos, Dom
João extinguiu a ordem portuguesa de 1785 que proibia a existência de
manufaturas no Brasil. O efeito prático dessa medida foi quase nulo, já que os
produtos industrializados ingleses chegavam a um preço bem inferior a qualquer
produção nacional nascente, impedindo o desenvolvimento das manufaturas
nacionais.
Esse cenário negativo foi
agravado pela assinatura dos tratados de 1810 com a Inglaterra, destacando-se o
Tratado de Comércio e Navegação e o Tratado de Aliança e Amizade. Por esses
acordos, cava clara a profunda influência britânica nos rumos da Corte
portuguesa, dependente econômica e politicamente da Inglaterra, visto que os
produtos vindos da Inglaterra pagariam uma taxa de importação de 15% ao
entrarem no Brasil, enquanto os vindos de Portugal pagariam 16%, e os dos
demais países, 24%.
A facilidade gerada pela lei foi
um golpe quase que mortal na frágil estrutura manufatureira do Brasil. Além da
redefinição das taxas alfandegárias, os acordos de escravidão definiam uma série
de privilégios para os ingleses dentro da colônia, como o direito de foro
especial em caso de crime. A presença da Corte no Brasil, além de redefinir a
condição colonial brasileira, deu início à criação de um sentimento de
nacionalidade. Isso porque, até a chegada da Corte, não havia a ideia
cristalizada do que era ser brasileiro.
A elite brasileira se sentia, até
então, como um português no Brasil e, a partir da presença da Corte, ficou
claro que havia uma grande diferença entre o português e o sujeito nascido no
Brasil. Não se pode esquecer de que esse sentimento ganhou relevância
progressivamente, somente criando uma identidade nacional no Segundo Reinado. A
presença da Corte portuguesa no Brasil exigiu, ainda, a transformação do Rio de
Janeiro, mediante o reordenamento do espaço urbano, em uma cidade capaz de se
adequar a uma elite europeia saudosa do Velho Mundo. Assim, Dom João criou
ministérios e tribunais, fundou a Casa da Moeda e o Banco do Brasil.
O príncipe regente fundou também
a Faculdade de Medicina na Bahia, primeiro núcleo de ensino superior do Brasil,
e promoveu o desenvolvimento cultural no país através da vinda de importantes
artistas europeus, tendo destaque a Missão Francesa de 1816, após a queda de
Napoleão, que contou com nomes como Felix Émile Taunay e Jean-Baptiste Debret,
responsáveis por representar o cotidiano do Rio de Janeiro no início do século
XIX através de centenas de telas.
Nesse período, foram fundados,
ainda, o Jardim Botânico, a Imprensa Real, a Academia de Belas Artes, a
Academia Real Militar, o Teatro Real e a Biblioteca Real. D. João criou uma
fábrica de pólvora e aproveitou para invadir dois territórios dos seus inimigos
europeus: a Guiana Francesa e a Cisplatina, pertencentes à França e à Espanha,
respectivamente. Os dois territórios deixaram de pertencer ao Brasil no
decorrer da primeira metade do século XIX.
Em 1815, o Brasil recebeu o
título de Reino unido de Portugal e Algarves, fundamental para garantir a
presença portuguesa no Congresso de Viena, segundo o princípio da legitimidade,
pois apenas um rei que estivesse governando seu reino, e não uma colônia,
poderia ter assento nesse encontro conservador. Já para o Brasil, a elevação
representou mais um passo rumo à emancipação e ao rompimento da condição colonial.
Em 1818, a rainha D. Maria I veio a falecer, e o príncipe regente foi coroado
rei com o título de D. João VI.
A presença da Corte portuguesa no
Brasil e as realizações empreendidas a partir dessa transferência assinalam uma
mudança fundamental: algo semelhante à inversão nas relações entre colônia e
metrópole. Ficou evidente, a partir de 1808, que as ordens do Império Lusitano
passaram a ser emitidas na antiga colônia, colocando Portugal em segundo plano
nas determinações políticas. A consolidação do ideal emancipatório no Brasil
seria uma consequência sentida em médio prazo nesse novo cenário.
Enquanto o Brasil via a mudança
de sua face com certas liberdades e realizações promovidas por D. João VI,
Portugal enfrentava uma grave crise. Após a expulsão dos invasores, com a ajuda
inglesa, o reino português ficou sob o controle de autoridades britânicas,
merecendo destaque o papel empreendido pelo lorde Beresford. Uma parcela da
Corte portuguesa que retornou à metrópole, somada à maioria da população, não aceitava
que o monarca continuasse a administrar os interesses do reino estando no Rio
de Janeiro.
Assim, a partir de 1818,
iniciou-se uma luta coordenada por Manuel Fernandes Tomás, que, na Cidade do
Porto, criou uma associação liberal responsável por organizar uma revolução que
eclodiu em 24 de agosto de 1820, conhecida como Revolução do Porto. Além de não
aceitarem mais a autoridade do lorde inglês, os revolucionários da Corte
prepararam uma comissão que estabeleceria as mudanças importantes para a reorganização
de Portugal.
Entre as principais medidas,
podem-se citar a formação de uma Constituição liberal e o desejo de transformar
o Brasil de D. João VI, novamente, em colônia. Essas medidas mostram as
contradições da revolução: liberal internamente e autoritária para com o
Brasil. Dessa forma, fazia-se necessária a volta de D. João VI para Portugal,
até então adaptado à vida no Brasil e agastado com a possível ideia de
abandonar a antiga colônia.
Entre as principais medidas,
podem-se citar a formação de uma Constituição liberal e o desejo de transformar
o Brasil de D. João VI, novamente, em colônia. Essas medidas mostram as
contradições da revolução: liberal internamente e autoritária para com o
Brasil. Dessa forma, fazia-se necessária a volta de D. João VI para Portugal,
até então adaptado à vida no Brasil e agastado com a possível ideia de
abandonar a antiga colônia.
Porém, a pressão exercida pelos
lusos do reino e a possibilidade da perda do trono levaram D. João VI a
retornar a Portugal no ano de 1821, deixando o Brasil sob o controle de seu
filho, D. Pedro. O rei D. João VI sabia que a autonomia do Brasil era um
processo irreversível, chegando a orientar o jovem príncipe quanto à
possibilidade de promover a emancipação do Brasil, evitando que a antiga colônia,
em que ele viveu durante mais de 11 anos, caísse nas mãos de revolucionários.
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