A CRISE DOS MISSEIS

A CRISE DOS MISSEIS

 

Na noite de 27 de outubro de 1962, o secretário de defesa americano Robert McNamara deixava o Salão Oval da Casa Branca, em Washington, em direção à rua.

 "Estava uma noite linda, perfeita", ele comentaria, 36 anos depois. "Enquanto caminhava olhando para o céu, comecei a pensar se eu viveria para ver mais uma noite de sábado." McNamara tinha motivos sérios para acreditar que o mundo poderia acabar em menos de uma semana.

 No dia anterior, um míssil terra-ar soviético disparado de Cuba derrubou um avião espião americano modelo U-2. O procedimento pré-combinado para casos assim era claro: os Estados Unidos deveriam contra-atacar imediatamente.

Mas o presidente John F. Kennedy ordenou que nada fosse feito enquanto ele não fizesse um novo contato com o dirigente máximo do Partido Comunista soviético, Nikita Khruschiov. Naquele mesmo dia, o líder cubano Fidel Castro, em Havana, mostrava-se preocupado: "Se Cuba entrar nessa batalha, vamos desaparecer do mapa".

 Cuba alegremente tinha recebido as armas soviéticas em retaliação a um embaraçoso episódio com os EUA. Tudo começou em 1959, antes de Fidel se aliar aos soviéticos, quando o presidente Dwigth Eisenhower liberou 13 milhões de dólares para que a CIA construísse um campo de treinamento na Guatemala.

Em 1954, o governo americano havia financiado o golpe que derrubou o presidente de esquerda Jacobo Arbenz Guzmán no país. A ideia era repetir em Cuba a mesma estratégia: dissidentes nativos, financiados e treinados pela CIA, iniciariam um movimento popular local que forçaria o governante a renunciar.

 Ao assumir a presidência, em janeiro de 1961, Kennedy manteve o plano, mas, para evitar que o grupo de exilados cubanos ficasse muito diretamente vinculado a Washington, mudou um pouco a estratégia. A área de desembarque das tropas foi transferida dos arredores da cidade de Trinidad, na parte central da ilha, para a Baía dos Porcos, mais próxima a Havana - porém mais distante da pequena base de apoio rebelde dentro da ilha.

Na madrugada de 15 de abril, oito bombardeiros B-26B atacaram três aeroportos da região. O ataque só inutilizou três dos 16 aviões cubanos disponíveis. Dois dias depois, 1,5 mil homens desembarcaram sem cobertura aérea. Começaram então as batalhas em terra, com os cubanos usando tanques russos, e por ar, com a CIA enviando quatro aviões equipados com napalm.

 O que o governo americano não sabia é que os cubanos já esperavam o ataque. Duas semanas antes da invasão, espiões do serviço secreto soviético, a KGB, sabiam quando, onde e como aconteceria o ataque. Já a CIA estava muito mal informada.

 Espiões russos infiltrados em Cuba fizeram com que os Estados Unidos acreditassem na força dos grupos de resistência ao comandante Fidel - que, na verdade, não existiam mais. Quando financiou e treinou os militantes que invadiriam a ilha, a CIA tinha certeza de que a simples tentativa de ataque serviria de estopim para uma revolta popular. E isso não aconteceu.

 A 21 de abril, o Exército cubano, que contava com 50 mil homens, derrotou os rebeldes em definitivo, matando 118 e capturando a maioria com vida. A suposta contrarrevolução não durou nem um dia.

 Pela primeira vez em sua história, os Estados Unidos sofriam uma derrota definitiva em território latino-americano. "Essa ação foi um dos maiores erros já cometidos pela CIA. Criou o mito em torno da figura de Fidel e jogou o comandante nos braços da União Soviética", afirma o historiador americano Philip Brenner, professor de relações internacionais da American University, em Washington. Em consequência do vexame em Cuba, três diretores da CIA, Allen Dulles, Charles Cabell e Richard Bissel, renunciaram.

 O amadorismo da ação tem mais outro motivo. Por meses antes e dias após o ataque, o embaixador norte-americano na ONU, Adlai Stevenson, repetiu veementemente que as movimentações, detectadas meses antes, eram ações de um grupo de "cubanos patriotas".

 Em outras palavras, os EUA acreditavam que conseguiriam convencer o mundo de que não tinham nada a ver com a história. Isso a despeito de o New York Times ter publicado em janeiro do mesmo ano que a CIA estava treinando cubanos para derrubar Castro. Do outro lado do mundo, a Rádio Moscou havia anunciado a invasão quatro dias antes.

 "O problema para a CIA era criar uma força invasora poderosa o suficiente para vencer... mas não tão forte a ponto de revelar o apoio americano. A invasão, em essência, tinha que ser cubanizada - feita para parecer amadora", afirma Michael Prince, autor do livro Guerras Estúpidas - Um Guia sobre Golpes Fracassados, Ações sem Sentido e Revoluções Ridículas (ed. Record).

 Diante disso, no mês seguinte, Fidel declarou-se marxista-leninista. E que, a partir daquele momento, Cuba era uma república socialista. Os invasores seriam repatriados para os Estados Unidos 20 meses depois, em troca de 53 milhões de dólares em alimentos e medicamentos do governo americano.

 O incidente mudou a estratégia dos EUA. O objetivo passou a ser assassinar Fidel. Mas, para sustentar o clima de tensão, Washington deixou vazar a informação de que mantinha 40 mil marines preparados para agir a qualquer momento.

 Esse medo constante de que os americanos atacariam novamente estreitou os laços militares de Fidel com a União Soviética. Ciente de que seu país demoraria pelo menos uma década para alcançar a tecnologia americana em mísseis de longo alcance, Khruschiov começou a despachar para Cuba seus artefatos de médio alcance. "Por que não jogar um ouriço dentro da calça de Tio Sam?", ele dizia a seus subordinados.

 Os Estados Unidos haviam aberto um precedente em 1961, quando instalaram na Turquia 15 mísseis Jupiter IRBM, capazes de atingir Moscou em 16 minutos. Em julho de 1962, a primeira leva de 150 navios soviéticos, carregados com ogivas nucleares e 43 mil soldados, desembarcou em Havana. Era a primeira vez que os russos operavam armamento nuclear fora de seu território.

 A CIA passou a monitorar a movimentação marítima soviética com mais atenção, até que, no dia 14 de outubro, um avião U-2 fotografou uma estrutura militar capaz de armazenar e lançar mísseis balísticos SS-4.

 Às 8h45 de 16 de outubro, Kennedy recebeu a informação de que os armamentos eram soviéticos e seriam capazes de alcançar cidades do porte de Washington e Nova York. O gabinete de emergência criado pelo presidente posicionou-se a favor de um ataque aéreo maciço contra Cuba.

 Mas o conselheiro Robert Kennedy, irmão do presidente, argumentou que essa reação poderia estimular os soviéticos a invadir Berlim Ocidental - afinal, a crise em torno da posse do Canal de Suez, em 1956, foi o pretexto necessário para Moscou tomar a Hungria. O conselho acabou aprovando um bloqueio naval a Cuba, acompanhado de preparativos militares para a possibilidade de uma invasão.

Na noite de 22 de outubro, Kennedy falou em cadeia nacional de televisão: "Conclamo Khruschiov a interromper essa ameaça clandestina e provocativa à paz mundial. Ele tem agora a oportunidade de tirar o mundo de perto desse abismo de destruição".

 Alegando que o armamento era apenas preventivo para o caso de uma tentativa de invasão, Khruschiov manteve-se irredutível. E ainda criticou o bloqueio americano em águas internacionais, não aprovado pela Organização das Nações Unidas (ONU).

No dia 24, o Comando Estratégico da Aeronáutica americana elevou, pela primeira vez em sua história, o nível de atenção para a condição 2. O passo seguinte seria o estado de guerra.

 Na manhã seguinte, Kennedy ordenou a interceptação do primeiro navio soviético, o Bucharest. Como só carregava combustível, ele acabou sendo liberado. No dia 26, um telegrama de Khruschiov oferecia trégua, desde que os Estados Unidos se comprometessem a não invadir Cuba. Horas depois, um novo texto, um pouco mais duro, fazia uma nova exigência: a retirada dos mísseis da Turquia.

 Enquanto o comando de Kennedy debatia a proposta, chegou a informação da derrubada do avião U-2 em solo cubano. Era sábado, e McNamara já começava a olhar para as estrelas com saudades.

 No domingo, 28, uma visita do conselheiro Robert Kennedy ao embaixador soviético em Washington, Anatoly Dobrynin, deu início ao fim da crise. Robert propôs que os americanos aceitassem a exigência em relação à Turquia, desde que a retirada fosse mantida em segredo - e, assim, os países europeus do lado ocidental da Cortina de Ferro não passassem a achar que os EUA estavam dispostos a abrir mão dos aliados para se defenderem.

 Khruschiov concordou e desmontou sua estrutura militar em Cuba. A paz foi rapidamente restabelecida.

 https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/crise-dos-misseis-cuba.phtml

 

 

 

 

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