O DITADOR POPULISTA
Muita gente acha que os gênios já nascem prontos.
Todo mundo conhece a história de Mozart encantando soberanos da Europa com
meros 5 anos de idade, ou de Pelé deixando os suecos boquiabertos quando não
passava de um meninote de 17. Mas, para o homem cujo nome virou sinônimo de
imperador e general, as coisas aconteceram bem mais devagar.
Ele teve de esperar a maturidade para mostrar a que
veio, galgando o poder aos poucos, de mansinho – ascensão que, aliás, combinava
bem com a personalidade desse mestre conciliador. César governou para valer os
gigantescos domínios de Roma por apenas quatro anos, mas a influência do Divino
Júlio, como seus conterrâneos passaram a conhecê-lo depois da morte, dura mais
de dois milênios.
Ganhar fama de divino, aliás, era algo que andava
nos planos da família de Caio Júlio César desde que Roma era Roma. Ou quase: há
quem diga que, na verdade, a família chamada Iulia viera de Alba Longa, uma
cidade vizinha, onde nasceu Rômulo, o fundador de Roma. Mania de grandeza à
parte, o fato é que o jovem Júlio, nascido por volta do ano 100 a.C. (não se
sabe a data exata), não teve muita chance de lucrar com sua origem divina
durante a juventude.
A coisa mais esperta a fazer era ficar de boca
fechada, porque ele cresceu durante um dos períodos mais turbulentos da
história romana. Por séculos, a cidade-estado tinha sido governada pela
esquisita mistura de oligarquia e democracia que os romanos chamavam de
república, com o poder distribuído desigualmente entre os legisladores do
Senado, o poder executivo representado pelos cônsules e a pressão constante do
povo romano, que participava de eleições e era representado pelos tribunos.
Com a onda de expansão que, nos séculos 3 a.C. e 2
a.C., transformaram Roma na senhora do mar Mediterrâneo, esse sistema político
complicado começou a irritar os camponeses livres, que estavam perdendo poder
para os grandes donos de terras e escravos. O resultado de toda essa mudança é
que a vida política passou a se dividir em dois grupos extra-oficiais.
Eram os Optimates, o partido aristocrático, que não
estava nem um pouco preocupado em aliviar os problemas sociais da nova
superpotência, e os Populares, que reconheciam essa necessidade – no mínimo
para tentar usar a seu favor a boa vontade do povo e do exército.
Assim como seu tio, o grande general Mário, César
era um dos Populares – e eles sofreram um senhor golpe quando o líder
aristocrático Sila derrotou Mário e se tornou o líder supremo da República em
82 a.C. Sila expulsou um monte de gente, e o jovem César precisou de esperteza
e sorte para escapar das perseguições.
“Essa talvez seja a melhor explicação para o fato
de César só ganhar destaque num momento relativamente tardio da sua vida. As
circunstâncias fizeram com que pessoas do partido de Mário, como ele, fossem
barradas pelo regime de Sila”, afirma o historiador e arqueólogo Pedro Paulo
Funari, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Ajudado por amigos influentes, César foi chamado
para participar do cerco a Mitilene, uma cidade grega que tinha se aliado ao
maior inimigo de Roma na época, o rei Mitridates do Ponto (no atual mar Negro).
Foi ali que ele conheceu o rei Nicomedes da Bitínia e iniciou com o nobre de
origem helênica um relacionamento que muita gente chegou a considerar como
amoroso. Com ou sem esse caso de amor homossexual, o fato é que o período
vivido na Ásia Menor foi uma experiência proveitosa para César.
Como todos os jovens com aspirações políticas de
seu tempo, ele se interessava por retórica e oratória, e decidiu partir para a
ilha grega de Rodes para estudar os dois temas com os grandes mestres
helênicos. É possível que sua fama de grande escritor (exemplificada pelos
clássicos Da Guerra da Gália e Da Guerra Civil) se deva às lições que tomou
nessa época.
Sila renunciou ao poder e morreu em 78 a.C., o que
permitiu a César um retorno seguro a Roma e a possibilidade de iniciar uma
carreira política. Logo tornou-se conhecido pela defesa de causas consideradas
populares. Foi assim que ganhou seu primeiro comando militar importante,
tornando-se procônsul da Hispânia – trecho da península Ibérica que englobava
tanto áreas da Espanha quanto do atual Portugal.
César cumpriu com perfeição seu dever de pacificar
a região, mas, conta o biógrafo grego Plutarco, não estava satisfeito com o
rumo de sua carreira até ali. Ao ler sobre os triunfos de Alexandre Magno, ele
teria começado a chorar de repente.
Seus amigos perguntaram qual era problema, e ele
respondeu: “Não vos parece ser digno de tristeza que, na minha idade, Alexandre
já era rei de tantos povos, enquanto eu ainda não consegui nenhum sucesso tão
brilhante?”
Ao lado de Crasso e Pompeu, dois aristocratas
ambiciosos que haviam conseguido fama e influência graças a suas vitórias
militares, César formou uma aliança que passaria a ser conhecida como o
Primeiro Triunvirato. Para os romanos da época, o acordo entre o trio virou
sinônimo de uma panelinha secreta e sinistra, na qual cada um se dispunha a
facilitar as ambições políticas do outro. Uma espécie de pacto de não-agressão.
Não demorou muito para que o acordo funcionasse em
favor de César, que galgou o posto mais alto da República, o de cônsul, em 59
a.C. De quebra, ganhou o comando das províncias da Gália Cisalpina, a região da
Itália entre os Alpes e o rio Pó.
Nessa época, César soube que os helvécios, um povo
celta aparentado dos gauleses, estava prestes a realizar uma migração em massa
para a Gália, atravessando a rica província romana do sul da atual França
(chamada até hoje de Provença) e pondo em risco os aliados gauleses de Roma.
Alea jacta est
A campanha da Gália, que se estendeu até 50 a.C.,
marcou o ápice dos triunfos militares de César, que levou o estandarte das
legiões romanas para os confins do mundo conhecido pelos seus compatriotas,
como a Germânia, além do rio Reno e da Grã-Bretanha. Nesse meio tempo, o
triunvirato tinha virado fumaça. Crasso morreu numa malfadada tentativa de
conquistar os partos, donos de um império na Mesopotâmia e na Pérsia. Pompeu,
antes genro de César, cortou boa parte dos laços que tinha com o sogro quando
Júlia (a filha de César) morreu ao dar à luz.
O bebê viveu apenas alguns dias. O Senado, a
principal força política de Roma, concedeu a Pompeu autoridade sobre os
exércitos da República. Os políticos de Roma exigiram que César renunciasse a
suas legiões se quisesse voltar à cidade.
E isso ele jamais faria. Ao se aproximar da
fronteira da Gália com a Itália, César teria pronunciado a frase famosa: Alea
jacta est, ou "a sorte está lançada”. Derrotado, Pompeu fugiu e foi
assassinado. Aí foi só questão de tempo até César pacificar todo o império em
46 a.C.
Assumindo o título de ditador perpétuo (uma
alteração do velho cargo romano de ditador, que dava poderes quase ilimitados a
uma pessoa durante emergências), César passou a mandar e desmandar. Contudo,
seu governo foi extremamente conciliatório se comparado aos expurgos e
perseguições promovidos por Sila.
Mesmo assim, conspiradores da facção aristocrática
do Senado cercaram César no dia 15 de março de 44 a.C. Uma porção de punhaladas
tirou a vida do ditador, que tentou se defender usando o estilo, uma espécie de
pena de metal usada para escrever. O crime dos Optimates não salvou a
República. De um novo triunvirato e de uma nova guerra civil emergiu Caio
Octaviano, ou Augusto, o sobrinho-neto de César que se tornaria o primeiro
imperador romano.
https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/historia-quem-era-julio-cesar.phtml
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