INCONFIDÊNCIA MINEIRA
O movimento da Inconfidência
Mineira não pode ser compreendido sem que esteja relacionado com a situação
econômica de Minas Gerais no período da revolta. Na segunda metade do século
XVIII, a região já apresentava sinais de decadência devido à redução da
quantidade de ouro extraído, fato que deixou os grandes mineradores sob
pressão, já que estes estavam, em grande parte, endividados com a Coroa
portuguesa.
Em meio à elite de Vila Rica,
encontravam-se pessoas letradas, que conheciam as ideias iluministas divulgadas
nas universidades europeias. Informados da Independência dos Estados Unidos,
ocorrida no ano de 1776, esses membros da elite começaram a planejar uma
possível ação semelhante na colônia portuguesa, numa nítida reação contra os
abusos metropolitanos.
Alguns estudantes já haviam
sondado Thomas Jefferson, um dos redatores da Declaração de Independência
americana, então embaixador americano na França, quanto à possibilidade de os
Estados Unidos apoiarem uma revolta no Brasil. Além da conversa entre José
Joaquim Maia e Thomas Jefferson, merece destaque a busca de apoio de José
Álvares Maciel junto aos comerciantes ingleses para uma possível rebelião em
Vila Rica.
Assim, o pensamento sobre a
ruptura frente a Portugal foi se constituindo através do exemplo bem-sucedido
dos Estados Unidos e do contato com os princípios iluministas e liberais que
exortavam o homem à liberdade, servindo, assim, de arcabouço intelectual para
os colonos.
Como é perceptível, já que o
movimento da Inconfidência teve o apoio de mineradores, de estudantes da elite
e de alguns membros da classe média, seu caráter foi elitista, ou seja, não
havia preocupação com a melhoria de vida da população mais pobre, muito menos
com a da grande massa de escravos. As mudanças desejadas pelos inconfidentes se
restringiam ao âmbito político e econômico, estando as questões sociais a
ocupar um local periférico.
Entre os principais líderes,
estavam os poetas Cláudio Manuel da Costa, Inácio José de Alvarenga Peixoto e
Tomás Antônio Gonzaga, os padres José de Oliveira Rolim, Carlos Correia de
Toledo e Melo e Manuel Rodrigues da Costa, o tenente-coronel Francisco de Paula
Freire Andrade, os coronéis Domingos de Abreu e Joaquim Silvério dos Reis e o
alferes Joaquim José da Silva Xavier, conhecido como Tiradentes. Este último
foi o articulador da sedição junto aos setores populares, visto que possuía
menor condição econômica e era mais próximo da população.
Como o movimento da Inconfidência
não se concretizou, é difícil estabelecer com plena fidelidade as principais
propostas da revolta, sendo apenas conhecidas as que foram expostas por alguns
inconfidentes nos autos da devassa. Entre os objetivos, estava a separação
apenas da capitania de Minas Gerais, apesar do contato de lideranças do
movimento com setores da vida política de SP e RJ, formando uma República que
teria como base a Constituição dos Estados Unidos. Além disso, seria criada uma
universidade em Vila Rica, e a capital da nova nação teria sede na cidade de
São João del Rei.
Os inconfidentes incentivariam a
formação de indústrias e a participação no Exército seria obrigatória; a nova
nação teria uma bandeira com o escrito em latim: Libertas quae sera tamen, que
significa “Liberdade ainda que tardia”. Quanto à questão da escravidão, não
havia a intenção dos inconfidentes de libertarem os cativos, já que parte dos
envolvidos no levante era senhores de escravos. O único compromisso de que se
tem notícia nesse sentido é a liberdade dos escravos e mulatos nascidos no
Brasil.
Com a chegada do novo governador
das Minas, visconde de Barbacena, a tensão na capitania aumentou ainda mais, já
que era conhecida a ordem do rei de Portugal de se declarar a derrama, ou seja,
o confisco de ouro até se atingir a quantidade de 100 arrobas estabelecida pela
Coroa portuguesa. Junto com a cobrança da derrama, seria realizada a cobrança
de outras dívidas que houvesse entre os mineradores e o governo português.
Assim, aproveitando o clima de
tensão, os inconfidentes estabeleceram o seguinte acordo: no dia em que fosse
decretada a derrama, seria aproveitado o cenário de insatisfação e de revolta
para dar início à insurreição. Porém, os inconfidentes não contavam com uma
traição: Silvério dos Reis, membro participante da Inconfidência, resolveu
entregar uma lista dos traidores em troca do perdão de sua dívida com a Coroa
portuguesa. O visconde de Barbacena deu por suspensa a derrama e prendeu os
envolvidos.
Como foram pegos de surpresa e
possuíam limitada capacidade de organização e mobilização, todos negaram a
participação no movimento. Apenas Tiradentes, que estava no Rio de Janeiro,
assumiu a participação. Após a maioria dos delatados ter sido condenada à
morte, D. Maria I, rainha de Portugal, resolveu substituir a pena capital pelo
envio dos condenados para o degredo na África. Já para Tiradentes, por ser o
mais pobre entre os inconfidentes e, para servir de exemplo, foi mantida a
condenação à morte por enforcamento. Tiradentes foi então executado no Rio de
Janeiro e seu corpo esquartejado e espalhado pela estrada de Minas. Sua casa
foi derrubada e a terra foi salgada, prática comum da época. Sua cabeça foi
exposta na praça central de Vila Rica.
Dois elementos da Inconfidência
Mineira são fundamentais. Em primeiro lugar, cabe observar que, apesar de a tentativa
de sedição ter ocorrido no ano da Revolução Francesa (1789), esta não
influenciou os fatos ocorridos em Vila Rica, cabendo a influência externa
apenas às ideias iluministas e liberais e à Independência dos Estados Unidos, o
que nos permite afirmar que a Inconfidência foi uma utopia americana, de acordo
com o historiador Kenneth Maxwell.
Em segundo lugar, a imagem mítica
de Tiradentes, tratado como herói do movimento, só foi construída positivamente
no contexto da Proclamação da República, quando a historiografia brasileira
carecia de um mártir para o movimento republicano nacional. No período
anterior, orientado pelos anseios de um regime monárquico, a imagem de
Tiradentes fugia desse referencial heroico, sendo ele tratado com desdém e com
desinteresse pelos primeiros historiadores do Brasil.
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