O RENASCIMENTO URBANO-COMERCIAL


O RENASCIMENTO URBANO-COMERCIAL
O crescimento demográfico, agrícola e comercial, a partir do século XI, provocou alterações no panorama europeu. Por um lado, o feudalismo atingiu seu apogeu na Europa nesse período, mas, por outro, as mesmas transformações que levaram o sistema feudal a uma estabilização colaboraram para a desarticulação do mundo feudal e para a formação dos Estados Modernos.
As cidades, à medida que se expandiam, aceleravam o processo de crise do modelo feudal, pois permitiam que uma nova camada social, os comerciantes, progredisse em termos financeiros. Esse fator atraía cada vez mais descontentes que buscavam tentar a sorte nas cidades, estimulando-os a romper com o modelo feudal ainda em curso. É fundamental, assim, o estudo da expansão urbano-comercial estimulada pelas Cruzadas, bem como o da crise do século XIV, para se compreender as transformações que levaram à consolidação de novas formas de organização política no interior da Europa.
O crescimento demográfico verificado na Europa a partir do século XI provocou a revitalização urbana e comercial. É importante lembrar que as cidades e o comércio nunca desapareceram por completo durante o Período Medieval, mas permaneceram como locais das sedes administrativas da Igreja, da realização de feiras e para onde, muitas vezes, prosseguiam grupos de romeiros.
Na medida em que o excedente agrícola era ampliado, realizavam-se trocas cada vez mais frequentes dentro dos feudos, dinamização essa que passou a se alimentar do espaço urbano, rico em mercado de consumo e com diversificada oferta de matéria-prima e mercadorias. Nesse contexto, novas técnicas de produção foram aperfeiçoadas, colaborando para que houvesse nítido avanço comercial. Surgiram, dessa forma, os primeiros núcleos urbanos nas principais rotas comerciais. Entre 1150 e 1330, o mundo urbano medieval viveu seu apogeu.
Em algumas das grandes cidades europeias desse período, a população chegava a 40 mil habitantes e, apesar de vinculada às atividades comerciais, dependia dos alimentos vindos do mundo rural. Não é correto, desse modo, associar o crescimento da cidade ao declínio dos feudos, visto que os feudos, inicialmente, colaboraram para sustentar a expansão urbana mediante o abastecimento agrícola.
Nesse contexto, surgiram os chamados forisburgos (do inglês, borough = cidade pequena e cercada de muralhas). Os grandes muros eram estratégia de defesa para resguardar mercadorias, comércio e lucros obtidos, visando à proteção e à regularização do tráfego, assim como à organização da cobrança de impostos.
No mundo urbano, os habitantes desfrutavam de maior liberdade, vendo-se desvinculados de alguns laços feudais. Era comum, em algumas regiões, que servos para lá fugissem, tornando-se livres. Caso após um dado período os senhores não conseguissem recuperá-los e levá-los de volta ao feudo, essa liberdade seria então definitiva. Com tal estratégia, arrebanhava-se mão de obra para os centros urbanos em expansão.
Por se situarem em propriedades de senhores feudais, no entanto, os citadinos ainda estavam submetidos ao pagamento de tributos e à prestação de serviços ao senhor, embora possuíssem autonomia administrativa para gerir os centros urbanos.
Em muitos momentos, desejando se ver livres desse domínio, os habitantes das cidades organizaram movimentos comunais, que resultaram na conquista da autonomia política para a cidade, inclusive subordinando os senhores, o que fortaleceu os laços de solidariedade entre os citadinos, rompendo com a dominação feudal. Apesar desses conflitos, os habitantes das cidades e os senhores possuíam forte interdependência, já que, em alguns casos, as cidades necessitavam da proteção que só os nobres poderiam proporcionar.
Assim, como forma de reafirmar sua autonomia, os tribunais estabelecidos pelos cidadãos, que também cuidavam da administração e da infraestrutura no mundo urbano, adotaram símbolos próprios, tradição essa de origem aristocrática, como a criação de selos com traços referentes aos centros urbanos.
Nas cidades, a atividade econômica se desenvolveu principalmente nos setores do comércio e do artesanato. Os mercadores, chamados também de burgueses, dominavam as atividades comerciais e em muitas cidades controlavam também o poder político. A revitalização do uso da moeda acompanhou a expansão comercial. Os produtos do grande comércio eram os grãos, o vinho, o sal, os couros e as peles, os tecidos, os minerais e os metais e, secundariamente, a madeira.
O poder dos comerciantes nas cidades aumentava gradativamente, o que os levou a se associarem. Tais associações eram denominadas guildas e tinham como objetivo defender os interesses dos mercadores, como também garantir a isenção de certos impostos e facilitar a realização das atividades comerciais de seus membros, mediante o controle de preços previamente articulados, por exemplo. Do mesmo modo que defendiam os negócios de seus associados nas cidades, as guildas os defendiam das relações comerciais empreendidas por seus associados no exterior. No mundo urbano, seu poder cresceu de tal forma que extrapolou a esfera econômica, tornando-se algumas guildas potências política.
Em determinadas cidades, havia outro foco de poder, representado pelos artesãos. Reunidos nas corporações de ofício, os artesãos estabeleciam as regras para a produção artesanal, regulamentando a qualidade, a produção e o recrutamento para diversos ofícios, com base nos interesses do empregador e do artesão qualificado e estabelecido.
As corporações favoreciam os interesses dos artesãos das diferentes cidades ao dificultar a concorrência, inclusive dos produtos vindos de fora. Por isso, uma das medidas tomadas era a delimitação estrita das áreas de atuação, de modo a evitar a sobreposição de competências. Procurava-se dificultar, por exemplo, que uma oficina de conserto tivesse permissão de confeccionar peças novas.
Existiam corporações para cada um dos ofícios exercidos e a não associação poderia implicar banimento da cidade. Os laços de solidariedade entre os associados eram reforçados, já que, em alguns casos, as corporações tinham caráter assistencial. Os estatutos e a hierarquia eram rígidos e o não cumprimento das regras poderia levar a graves punições. O poder dos artesãos e das corporações de ofício se fortaleceu em um contexto de gradativa valorização do trabalho. Anteriormente visto como castigo divino e penitência, o trabalho, no mundo urbano, passava a ser visto como útil e valorizado.
A expansão da atividade comercial reanimou o comércio de longa distância. No entrecruzamento das principais rotas comerciais, as feiras medievais se fortaleceram. Nos séculos XII e XIII, as feiras eram os grandes centros de comércio europeus, sendo que algumas recebiam mercadores de todo o continente. Cada uma delas era realizada em dias específicos, tornando-se grandes eventos que, em alguns casos, chegavam a durar semanas. As atividades financeiras e bancárias ganharam espaço, viabilizando as transações financeiras nesses locais e tornando possíveis empréstimos e notas bancárias, o que facilitou as trocas realizadas entre pessoas provenientes de diferentes partes da Europa.
As feiras proporcionaram a regularidade do comércio europeu na Baixa Idade Média, visto que garantiam o encontro frequente entre os mercadores de várias regiões. Na região de Champagne, na França, as feiras recebiam mercadorias provenientes das regiões de Flandres, Gênova, Veneza e de regiões da atual Alemanha. A lã inglesa, as especiarias e os corantes mediterrâneos, as peles e os linhos alemães, os artigos espanhóis de couro eram as principais mercadorias de troca.
Com o incremento do comércio à longa distância, surgiram agremiações entre os comerciantes de várias cidades, chamadas hansas. A mais poderosa entre essas ligas foi a hanseática, que dominava o comércio no norte da Europa. Os mercadores dessa região estabeleceram o monopólio comercial no Báltico, transportando mercadorias como peixe, madeira, cereais e peles. Da região de Flandres, eram levados tecidos e lã, que eram revendidos por toda a Europa. No sul, as cidades mediterrâneas de Gênova e Veneza passaram a controlar, progressivamente, o comércio de especiarias vindas do Oriente, em especial após as Cruzadas.
A expansão comercial provocou transformações nas estruturas da sociedade europeia que, mesmo tendo mantido o seu caráter rural, viu surgir novas forças sociais vinculadas às cidades. Novas formas de sociabilidade surgiam no mundo urbano, produzindo efeitos nas estruturas feudais. A Igreja, ainda detentora de grande poder, se posicionava contra essas mudanças devido à emergência de uma nova fonte de autoridade na sociedade. Além disso, a vida urbana estimulava laços de solidariedade fora da Igreja, entre os próprios membros da comuna e seus simpatizantes e agregados. A atividade comercial sofria uma forte restrição ao ser combatida pela instituição medieval mais poderosa. Para a Igreja, as mercadorias deveriam ser vendidas pelo seu justo preço e não com a intenção do lucro. Os juros eram vistos como atividades ilícitas, já que os seus praticantes estariam lucrando sobre o tempo, pertencente a Deus.

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