O RETORNO DE VARGAS
Em 1951, Getúlio
Vargas retornou ao posto de Presidente da República. Para voltar ao poder,
o político gaúcho optou por deixar sua imagem política afastada dos palcos do
poder. Entre 1945 e 1947, ele assumiu, de forma pouco atuante, o cargo de
senador federal. Nas eleições de 1950, ele retornou ao cenário político
utilizando de alguns dos velhos bordões e estratagemas que elogiavam o seu
antigo governo.
Querendo
buscar amplas alianças políticas, Getúlio abraçou setores com diferentes
aspirações políticas. Em um período de Guerra Fria, onde a polarização
ideológica era pauta do dia, Vargas se aliou tanto aos defensores do
nacionalismo quanto do liberalismo. Dessa maneira, ele parecia querer repetir o
anterior “Estado de Compromisso” que marcou seus primeiros anos frente à
presidência do Brasil. Por um lado, os liberalistas, representados pelo
empresariado nacional, e militares, defendiam a abertura da economia nacional
ao capital estrangeiro e adoção de medidas monetaristas que controlariam as
atividades econômicas e os índices inflacionários. Por outro, os nacionalistas,
que contavam com trabalhadores e representantes de esquerda, eram favoráveis a
um projeto de desenvolvimento que contava com a participação maciça do Estado
na economia e a rejeição ao capital estrangeiro.
Dada essa
explanação, perceberemos que liberalistas e nacionalistas tinham opiniões
diferentes sobre o destino do país e, até mesmo, antagonizavam em alguns temas
e questões. Dessa forma, Vargas teria a difícil missão de conseguir se
equilibrar entre esses dois grupos de orientação política dentro do país. Mais
uma vez, sua função mediadora entre diferentes setores político-sociais seria
colocada à prova.
Entre as
principais medidas por ele tomadas, podemos destacar a criação de duas grandes
estatais do setor energético: a Petrobrás, que viria a controlar toda atividade
de prospecção e refino de petróleo no país; e a Eletrobrás, empresa responsável
pela geração e distribuição de energia elétrica. Além disso, Vargas convocou
João Goulart para assumir o Ministério do Trabalho. Em um período de intensa
atividade grevista, João Goulart defendeu um reajuste salarial de 100%.
Todas essas
medidas tinham forte tendência nacionalista e foram recebidas com tamanho
desagrado pelas elites e setores do oficialato nacional. Entre os principais
críticos do governo, estava Carlos Lacerda, membro da UDN, que por meio dos
órgãos de imprensa acusava o governo de promover a “esquerdização” do Brasil e
praticar corrupção política. Essa rixa entre Vargas e Lacerda, ganhou as
páginas dos jornais quando, em agosto de 1954, Carlos Lacerda escapou de um
atentado promovido por Gregório Fortunato, guarda pessoal do presidente.
A polêmica
sob o envolvimento de Vargas no episódio serviu de justificativa para que as
forças oposicionistas exigissem a renúncia do presidente. Mediante a pressão
política estabelecida contra si, Vargas escolheu outra solução. Na manhã de 24
de agosto de 1954, Vargas atentou contra a própria vida disparando um tiro
contra o coração. Na carta-testamento por ele escrita, Getúlio denunciou sua
derrota perante “grupos nacionais e internacionais” que desprezavam a sua luta
pelo “povo e, principalmente, os humildes”.
Depois
dessa atitude trágica, a população entrou em grande comoção. Vargas passou a
ser celebrado como um herói nacional que teve sua vida ceifada por forças
superiores à sua luta popular. Com isso, todo grupo político, jornal e
instituição que se pôs contra Getúlio Vargas, sofreu intenso repúdio das
massas. Tal reação veio a impedir a consolidação de um possível golpe de
estado. Dessa forma, o vice-presidente Café Filho assumiu a vaga presidencial.
A carta testamento de getúlio Vargas
Mais uma
vez, a forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se
desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e
não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha
ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e
principalmente os humildes.
Sigo o
destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos
econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci.
Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive
de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos
grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o
regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no
Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios.
Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da
Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A
Eletrobrás foi obstaculizada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja
livre.
Não querem que o povo seja independente. Assumi o
Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os
lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de
valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões
de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal
produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão
sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.
Tenho
lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante,
incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim
mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos
posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de
alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a
minha vida.
Escolho
este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma
sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentirá em vosso
peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem,
sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá
unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será
uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a
resistência. Ao ódio respondo com o perdão. E aos que pensam que me derrotaram
respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida
eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu
sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu
resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do
povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram
meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada
receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da
vida para entrar na História.
(Rio de Janeiro, 23/08/54 - Getúlio Vargas)
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