A URBANIZAÇÃO EXCLUDENTE
E AREVOLTA DA VACINA
No início
do século XX, as cidades brasileiras, de modo geral, eram pequenas e acanhadas.
Não contavam com sistemas eficientes de esgoto e de abastecimento de água, as
ruas não tinham calçamento ou iluminação elétrica, os transportes coletivos
públicos eram quase inexistentes. Até mesmo o Rio de Janeiro, capital e
maior cidade brasileira da época, enfrentava esse tipo de problema. Suas ruas
eram estreitas e malcheirosas e a população, principalmente a que vivia nos
cortiços no centro, eram frequentemente atingida por doenças como febre
amarela, varíola, cólera e peste bubônica. Em 1902, Rodrigues Alves assumiu a
presidência do Brasil e um de seus principais objetivos foi implementar um
programa de reformas urbanas e sanitárias no Rio de Janeiro. Essas reformas
visavam tornar a cidade mais limpa e moderna, de modo a transmitir ao mundo a
impressão de a capital federal do Brasil era uma cidade civilizada.
Para
realizar as reformas propostas, o presidente deu amplos poderes ao prefeito do
Rio de Janeiro, o engenheiro Francisco Pereira Passos. Para realizar esse esforço
“civilizatório”, foram proibidas a presença de vacas e porcos pelas ruas da
cidade e o hábito muito frequente de cuspir no assoalho dos bondes. Entre as
elites, acompanhar o progresso da cidade significava também alinhar-se aos
hábitos culturais emanados da Europa, principalmente da França: falar, vestir,
comer, morar e pensar como um europeu. A euforia da Bela Época adaptava-se
assim, à complexa realidade brasileira. Centenas de pequenas casas e cortiços
foram derrubados. Foi o chamado “Bota-abaixo”, promovido pelo prefeito
do Rio de Janeiro. Durante as reformas, muitos moradores pobres, principalmente
aqueles que viviam em cortiços e pequenos comerciantes foram expulsos do centro
da cidade, sem receber indenização ou ter um novo local para morar.
As obras
foram conduzidas de modo autoritário e com repressão policial, gerando grande
insatisfação popular. Os pobres desalojados de suas moradias mudaram-se para os
morros, construindo moradias improvisadas com o material de demolição obtido no
centro da cidade. Essas moradias improvisadas, localizadas nos morros do Rio de
Janeiro, deram origem às favelas, que desde então cresceram continuamente.
Dando
continuidade ao projeto de sanitarização do Rio de Janeiro, o presidente
Rodrigues Alves delegou a realização dessas reformas ao médico sanitarista Oswaldo
Cruz, que tinha como objetivo sanear a cidade. Inicialmente, ele dedicou-se
ao combate de doenças com a febre amarela e a peste bubônica, eliminando mosquitos
e ratos. Em seguida, o sanitarista comandou o processo de erradicação da
varíola. Para combater a varíola, a única solução era vacinar a
população. Porém, muitas pessoas duvidavam da eficácia da vacina e recusam-se a
toma-la. Por isso, o governo aprovou em novembro de 1904 a Lei da Vacina
Obrigatória, e passou a usar a força policial nos casos de resistência à
vacinação.
A medida
provocou revolta entre a população, principalmente porque o governo anunciou
que a vacina poderia ser aplicada à força em quem se recusasse a toma-la.
Políticos da oposição argumentavam que a decisão desrespeitava a liberdade
individual. Falava-se em violação do lar e de ofensa à honra, uma vez que as
mulheres seriam obrigadas a “desvendar seus corpos” para que desconhecidos lhes
aplicassem a vacina. No dia 9 de novembro, Oswaldo Cruz propôs uma
regulamentação da lei, determinando que o comprovante da vacinação fosse
exigido em vários momentos, como por exemplo, para matricular os filhos na
escola, obter emprego, registar-se em hotéis e para casar. A notícia chegou à
imprensa no dia seguinte em boa parte da população saiu às ruas para protestar.
Ergueram-se barricadas e tiveram inicio sangrentos conflitos com a polícia.
As
manifestações continuaram no dia seguinte, com depredações, saques, tiroteios,
invasões a repartições públicas. Em reposta o governo decretou estado de sítio.
Para acalmar os ânimos dos revoltosos, no dia 16 de novembro foi revogada a
obrigatoriedade da vacinação.
A Revolta
da Vacina como ficou conhecido o movimento deixou um saldo de 23 mortos e
cerca de 900 pessoas detidas; metade delas acabou deportadas para o Acre. Além
do Rio de Janeiro outras cidades passaram pelo embelezamento que provocou a
expulsão dos pobres das regiões centrais, obrigando-os a se instalarem em
moradias precárias na periferia. Dessa forma, as elites brasileiras
modernizavam as cidades, sem alterar, porém, as antigas desigualdades sociais.
Em relação à Revolta da Vacina é bom salientar que ela não foi simplesmente uma
revolta contra a vacina, ela está inserida no contexto da expulsão da população
pobre do centro da cidade, como também, as medidas autoritárias do governo.
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